Capítulo 5

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Eu mal podia respirar quando li a última palavra, eu simplesmente sentia um peso sobre mim e tive uma pequena noção do que aquela garota havia sentido, e com certeza não foi nada fácil. Era simplesmente impossível me ver naquela situação. Meus pais nunca me diriam com quem casar, e eu nunca aceitaria aquilo, mas ainda assim eu não conseguia julgar o silêncio de Judite. O tempo em que ela viveu deixava as pessoas sujeitas a aceitarem o destino que lhes era imposto sem recusar ou opinar. Era bom saber que hoje as escolhas são livres, era ruim saber que hoje as pessoas não valorizam esse poder e acabam se lançando em caminhos sem volta, esquecendo que são as escolhas que te constroem, e não é nada bom construir grandes prédios em bases fracas.

Eu me sentia sufocada demais para permanecer ali sentada, e também não tinha certeza de querer continuar lendo. Eu saí do quarto e andei pela pousada sem saber ao certo o que queria fazer. Meus pais e Kevin havia ido à cidade comprar presentinhos de viagem para toda a família, eu achava cedo para se preocupar com algo que só seria necessário no fim das férias, mas não questionei.

Chegando ao jardim encontrei dona Clarice conversando com as suas rosas e eu achava incrível a forma como algumas pessoas conseguem se envolver tanto com as flores a ponto de ouvi-las. Talvez apenas as pessoas mais sensíveis pudessem ser capazes disso. Dona Clarice parecia esse tipo de pessoa, e até agora eu não tinha visto um momento em que pudesse conversar com ela — eu era o tipo de garota que adorava conversar com pessoas mais velhas e escutar as suas histórias — percebi, então, que aquele era o momento perfeito.

— Boa tarde, dona Clarice. — Foi como tirar ela de um devaneio, a senhora não tinha percebido a minha presença.

— Ah, olá querida, ótima tarde. Junte-se a mim, venha. — Ela sacudia as mãos no ar num gesto que me chamava para mais perto. Me sentei no banquinho ao seu lado e admirei as rosas. — Não quis sair com seus pais? — Perguntou enquanto tirava a luva que lhe cobria os dedos e mudava a posição para ficar de frente para mim.

— Eu até pensei em ir, mas... Dona Clarice, se eu te perguntar uma coisa promete não se sentir ofendida?

— Não posso prometer, mas tenho certeza que uma menina tão linda não me ofenderia. — Ela era tão gentil que me fazia me sentir confortável mesmo sem conhece-la tão bem.

 — A questão é a seguinte... Eu não quero te chamar de velha, por favor não entenda mal. Mas é que sei que vive aqui há muito tempo, sei que conhece a história da região e eu tenho uma dúvida.

A senhora arqueou uma sobrancelha e parecia não entender uma palavra sequer do que eu havia dito.

— Onde entra a parte do insulto?

— É que a maioria das mulheres têm pavor do assunto “idade”.

— Oh querida — Ela soltou uma risada gostosa de se ouvir — Tenho muito orgulho desses fios brancos, e vou me sentir honrada em lhe ajudar nessa sua dúvida. O que aconteceu?

— Posso dizer uma coisa antes? — Me aproximei dela como se fosse contar um segredo — Eu acho mulheres de cabelos brancos muito mais elegantes. — Sussurrei e pisquei o olho, ela retribuiu sorrindo. Pude notar que estava corada por conta do elogio e fiquei feliz por ter feito-a feliz. — Então... Na década de sessenta, perto daqui morava uma garota com a família e ela era muito nova até que um dia, um homem muito mais velho do que ela, resolveu que estava apaixonado por ela e seus pais apoiaram a ideia de um casamento. O que a senhora sabe sobre esse tipo de coisa  naqueles tempos?

— Minha querida... Isso era tão comum quanto você possa imaginar, e pode parecer loucura pra você e sua mente evoluída. Mas os pais dessa menina com certeza estavam pensando em tudo de bom que ela teria se casando com esse rapaz... homem... com ele. O problema todo era a forma como não existia amor na maioria das vezes, e eu posso parecer antiquada, mas acredito que o amor é a parte mais importante em uma união. Bens, conforto e estabilidade de nada adiantarão se o amor não estiver lá, sendo o centro de tudo. Os homens que viviam aqui naquela época eram extremamente rígidos, minha querida, viviam sob regras impostas a tanto tempo que provavelmente eles nem mesmo entendiam o significado. Agradeça por viver numa época que permite que jovens, como você, decidam o futuro que desejam viver.

Inconstante e BorboletaWhere stories live. Discover now