Capítulo 8

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— Então eu vou até a cidade, faço as compras e devo voltar amanhã logo de manhã — Arlindo disse enquanto preparava a montaria — Você quer alguma coisa além da lista?

— Pra falar a verdade, eu acho que a lista já tá bem completa. Pode ficar tranquilo. — Eu começava a me sentir mais confortável quando do seu lado. Já haviam se passado algumas semanas, eu já tinha uma rotina cuidando da casa e todo o resto. Arlindo trabalhava e passava a maior parte do tempo fora de casa.

Era sorte ter encontrado a pequena gatinha que havia se tornado a minha melhor companhia, e depois de alguns dias juntas eu já sentia sua falta quando ela resolvia sair num passeio, me deixando sozinha outra vez.

No vento frio, que balançava meus cabelos numa dança frenética, o prelúdio da noite que se aproximava. Abracei a mim mesma para me proteger enquanto observava Arlindo fazer os últimos preparativos. Assim que esteve pronto para ir, ele se aproximou e beijou minha testa como de costume e assim que o vi se distanciar aos poucos sob o pôr do sol me senti vazia e me odiava por não conseguir simplesmente lhe dizer que não queria que ele fosse.

Voltei para dentro e me deparei com os pequenos olhos brilhantes que me espiavam atentamente.

— Então era aí que você estava escondida, mocinha! Vem cá — Peguei Sunica no colo adorando o pequeno tremor em minhas mãos — Só tenho você outra vez, vai ficar em casa? Ou vai resolver sair de novo? — Ela miou e eu começava a acreditar que animais podem nos entender, e naquele momento, caso ela tenha compreendido a minha pergunta, acabara de responder que ficaria comigo, porque roçou a sua cabeça em minha mão e notei rapidamente que ela quase implorava por um carinho que eu fiz sem pensar duas vezes.

Passamos um período de tempo considerável sentadas ali conversando sobre todo tipo de assunto até que o meu estômago marcou presença no nosso encontro.

— Você também tá com fome? Eu vou procurar alguma coisa pra nós duas. — Preparei o jantar sem muita empolgação, não era muito bom cozinhar para mim mesma. Enquanto o fogo do pequeno fogão à lenha queimava eu acendi algumas velas para iluminar a casa, já que a noite já havia chegado sem pedir permissão.

Já haviam se passado muitos dias desde o meu casamento, e às vezes eu ainda me pegava forçando a memória para visualizar minha própria imagem com o vestido. Por mais que parecesse uma coisa boba eu me sentia um tanto quanto chateada e decepcionada. Se aquela tal de Carmen não estivesse lá tentando ser a dona da festa, talvez tudo fosse diferente. Agora eu teria que conviver com a ideia de não saber como eu estive no que teoricamente foi o dia mais feliz da minha vida.

Um grilo cantava em algum lugar por perto, quebrando o silêncio e eu nunca fui muito disso, mas tinha que admitir que senti o medo tomar conta de mim. Estava sozinha no meio do nada, e aquilo não era pouca coisa. Estava escuro e mesmo que alguma coisa acontecesse eu não teria por quem chamar, teria que enfrentar ou torcer para que acabasse logo, mesmo sabendo que para algumas situações isso não seria suficiente.

Já estava satisfeita após jantar quando me deitei com Sunica sobre a minha barriga e acariciei sua cabeça lentamente, olhei para as paredes e era como se lembranças estivessem sendo expostas ali, era como se eu pudesse, literalmente, ver a minha família naquele exato momento em casa, meus irmãos todos brincando e conversando, meu pai cochilando no sofá e a minha mãe observando tudo com um sorriso nos lábios. Meu coração também pareceu parar quando me lembrei de Laura e a imaginei me odiando por ter saído daquela forma tão abrupta. Sem despedidas. E logo eu, que sempre me achei tão segura de mim, que sempre me vi tão independente e que nunca fui adepta dos carinhos trocados, agora estava ali, sentindo uma lágrima escorrendo fria pelo rosto dando espaço para tantas outras que caíram despreocupadas me fazendo até mesmo soluçar. Eu só queria voltar no tempo, dizer o que eu sentia, nunca mais ter que deixar quem eu amo e não me arrepender das coisas que não fiz, porque correr o risco sempre vai ser melhor do que estar numa bolha contra viver e sentir.

Inconstante e BorboletaWhere stories live. Discover now