Prólogo: Aeroporto

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Sempre fui fascinada por aeroportos. Eles sempre me inundaram com sentimentos diversos, dependendo do meu momento de vida. Quando eu era criança, ir ao aeroporto era um evento: era quando eu recebia a tia rica que morava fora e me enchia de presentes. Da adolescência ao começo da vida adulta, o sentimento era agridoce: reencontros e despedidas de alguns relacionamentos que resistiram a quilômetros de distância. Nunca tive a sorte de encontrar relacionamentos com pessoas que morassem perto e por isso o aeroporto se tornou a minha segunda casa. Sempre gostei de sentar por alguns segundos e observar à minha volta as pessoas que iam e vinham nos embarques e desembarques e inventar na minha cabeça uma história para aquelas pessoas que se despediam e se reencontravam. Será que eu sou a única pessoa a fazer isso? Qual será a história que as pessoas à minha volta estão imaginando para mim nesse momento enquanto me observam?

Bom, talvez ninguém esteja me observando. As pessoas aqui em Londres sempre aparentam estar muito apressadas, com um objetivo muito certo em mente a ser cumprido e logo que o fazem, já se encaminham para outro. Até mesmo os encontros e despedidas entre pessoas que vejo no aqui no aeroporto de Heathrow me parecem tarefas a serem cumpridas, e não tanto um momento a ser apreciado. Talvez os londrinos não tenham tempo para olhar em volta e ver a poesia que a conexão entre pessoas cria nesses momentos.

­ — Filha... acho que já está na hora de eu embarcar... – disse minha mãe, com os olhos marejados e o olhar preocupado – você tem certeza que é isso o que você quer?

— Tenho sim, mãe. Eu preciso pensar em mim, investir em mim... fazer as minhas próprias escolhas. Preciso desse tempo, você sabe disso. Ainda mais depois do que aconteceu entre o Bruno e eu...

— Você sabe que a qualquer momento você pode voltar para casa que eu vou estar de braços abertos te esperando, não sabe? Eu vou sentir muito a sua falta... – disse, enquanto limpava as primeiras lágrimas que não conseguiu segurar.

— É claro que eu sei, mãe. Você também pode vir. Aliás, você tem que vir. Não aluguei um apartamento com um quarto a mais à toa. Eu vou ficar esperando ansiosamente você vir me visitar sempre que puder. E assim que o papai melhorar de saúde, espero ele também.

— Pois é.... eu preciso cuidar do seu pai. Ele precisa estar bem para te ver fazendo o que sempre quis. Tanto eu quanto ele já estamos muito orgulhosos pela sua coragem de se mudar e viver sozinha em outro país em nome de um sonho, minha filha...

— Além do mais, é só um ano e meio! Eu posso estar do outro lado do oceano, mas eu tenho uma passagem de volta comprada, esqueceu? Eu vou voltar pra casa, eu prometo.

— Não precisa prometer, filha... em um ano e meio tanta coisa acontece que eu seria uma péssima mãe de te cobrar pra você voltar pra casa. Se você precisar alçar vôos mais altos, nem pense em voltar pra casa em nome de uma promessa de aeroporto. – disse, enquanto colocava meus cabelos, sempre bagunçados e volumosos, atrás de minhas orelhas e ajeitava a amarração da pashmina em meu pescoço. – Agora eu preciso ir mesmo... daqui a pouco o embarque começa.

— Vai com Deus, mãe! Eu te amo muito!

Minha mãe e eu nos abraçamos, consolando uma a outra pela saudade que já se antecipava à separação propriamente dita.

— Deus te abençoe, minha filha. Eu te ligo quando chegar. Te amo!

Enquanto ela arrastava sua bagagem de mão pelo sagão do aeroporto e se aproximava da sala de embarque, eu sentia meu coração ficando cada vez menor. Eu queria tanto que a minha mãe ficasse aqui comigo... desde que recebemos a herança do vovô e não precisamos mais nos preocupar com dívidas e conseguir mais dinheiro que nosso salário não cobria todo mês para ir ao supermercado, tudo o que eu mais queria era que ela, que sempre se sacrificou tanto, aproveitasse a vida e a aposentadoria. Mas desde quando meu pai adoeceu, ela tomou a responsabilidade de cuidar dele para si em nome da minha própria ascenção na vida.

Eu nunca sequer pensei que um dia sairia do Brasil, mesmo que para viagens. E agora aqui estou: vou morar em Londres por mais de um ano para estudar confeitaria, que ainda que tenha começado como um hobby, se transformou em um grande sonho. E agora que tudo está certo, aluguel, escola, material, burocracias bancárias e outros pormenores, era hora de, efetivamente, começar a viver o que me propus a fazer aqui. Ao perder o meu olhar enquanto me dou conta de que tenho tanto tempo pela frente, sozinha, em um país que não fala a minha língua, cuja cultura é tão diferente da minha e onde não conheço ninguém, percebo que estou há algum tempo sem me lembrar de respirar. Em seguida ao suspiro para recuperar o fôlego, aquela sensação que há muito não tinha: dedos gelados e frio na barriga.

Parece que dessa vez o aeroporto me trouxe ao encontro de um novo sentimento e de uma nova expectativa: o do recomeço.

Waiting at your doorstep | Tom HollandOnde histórias criam vida. Descubra agora