Capítulo 23

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Camila foi a primeira a acordar, como de costume, deixou sua cama e foi direto para o banho. Após acabar, se vestiu, se penteou e foi para a cozinha. Dormiu no dia anterior pensando no pedaço suculento de bolo que a esperaria para o desjejum. Camila adorava doces, se lembrava vagamente que seu pai fazia excelentes tortas quando ela ainda era uma criança. Torta de maça, de limão, de pêssego e a sua grande favorita, torta de morango. O paladar de Camila se lembrava muito pouco do sabor que cada uma delas tinha, mas se lembrava nitidamente de seu velho pai servindo os pedaços nos jogos de pratos desbotados de sua mãe. Ele sempre deixava que ela ficasse com o maior pedaço. Quando terminavam de comer, ela se voluntariava para lavar as louças como uma forma de agradecimento, ele então dizia que ela não deveria se preocupar com as louças, pois ainda era apenas uma criança. Ele a erguia com seus braços, acima de sua cabeça e a garota baixinha tinha a visão que poucas vezes lhe era proporcionada. Olhar o mundo de cima para baixo, como Camila adorava aqueles momentos. Enseava pelos domingos, feriados e por seu aniversário. 

 Camila abriu a geladeira e viu o enorme bolo dentro dela, sua boca salivou e ela o segurou em seus braços finos e o colocou na mesa. Serviu uma fatia para si, uma grande fatia, um quadrado perfeito. Então se sentou para comer. Como aquele bolo era delicioso, era diferente de qualquer coisa que já havia experimentado. Por vezes falara que doces encomendados não eram tão saborosos quanto os feitos em casa, pois lhe faltavam amor. Contudo, aquele grande pedaço de bolo de chocolate refutava seu argumento. 

Após terminar de comer, Camila lavou as louças do jantar, se sentou na sala e esperou que algo acontecesse. Ela desejava que algo a preenchesse, então foi até o seu quarto e fumou um cigarro, mas ele não foi o bastante, então fumou outro e mais um em seguida. A quietude do ambiente a deixava maluca, todo aquele silêncio. Então sentiu saudades de seu trabalho, saudades de se sentir útil. Camila era uma escrava da lei. Ela sentiu uma falta esmagadora da mulher que desfilava pelos corredores de queixo erguido e sorriso prepotente. Agora parecia muito mais uma adulta desajustada, coisa que considerava repugnante. Não importa qual seja ela, você é obrigado a ter uma paixão, de qual outra forma você se manteria vivo? 

Camila gostava de fazer o que era justo, vivia para isso. A justiça é a única coisa que garante a igualdade entre os homens e ela faria de tudo para que essa fosse realmente cega, mesmo que isso lhe custasse a própria visão. Camila se lembou de Annie, a garotinha que tão jovem cometeu um ato tão horrendo. Contudo, ela conseguia entrar em sua mente, ela era boa nisso, em ler as pessoas, prever seus pensamentos e antecipar suas ações. Camila conseguia pensar como um transgressor, calçar seus sapatos, pois era dessa forma que ela imaginava que a justiça deveria funcionar. A justiça é cega, mas tem todos os outros sentidos muito bem apurados e, acima de tudo, ela senta na cadeira do réu quando é preciso. Se fosse de outra forma, ela sucumbiria, cairia em caos e causaria seu próprio colapso, como era o exemplo do Inspetor Javert, personagem de seu livro favorito. A justiça deve ser implacável, mas também deve saber agir com misericórdia.  

Agora Camila estava entediada, completamente entediada. Acendeu mais um cigarro, pois ter seus pulmões preenchidos era melhor do que o vazio absoluto. Desejava que algo acontecesse. Que uma bomba explodisse, que algo caísse do céu. Queria que seu coração se acelerasse, que seus lábios ficassem secos, desejava se sentir eufórica, desafiada. Então ela se levantou e saiu de seu quarto.

Lauren tinha um sono tranquilo, sua respiração era calma e em sua face perdurava uma expressão suave. A claridade recente da luz do dia fez com que a garota cobrisse sua cabeça para que a luz solar não incomodasse seus olhos extremamente sensíveis. Camila havia batido na porta antes de adentrar o quarto, mas não obteve resposta alguma, então decidiu entrar. Estava ciente que isso contrariava todo o protocolo de boa educação, mas achou que seria conveniente acordar a outra.

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