Capítulo 41 - Coração de Pedra

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Novamente estavam subindo; era uma pequena elevação do solo que se assemelhava a um morro e ao lado deste havia outros de mesma característica. O solo destes era negro e um pouco fétido. O sol totalmente oculto pelas nuvens dava ao lugar um tom ainda mais cinza. A montanha estava logo atrás como um monstro que ganhava ainda mais força conforme se afastavam. Tonto olhou para trás algumas vezes e não pode negar que havia uma sensação pesada no ar, que era muito mais do que a poeira que os cercava, era como se o ar estivesse sussurrando com uma voz capaz de penetrar na mente.

Estavam se aproximando e, finalmente tiveram o primeiro deslumbre do último trecho a seguir.

Uma brisa constante parecia empurrá-los como se quisesse obrigá-los a descer. Tonto custou a entender o que era aquilo, havia poeira e neblina, talvez fosse tudo apenas uma única coisa. Goque manteve o olhar fixo e o corpo rígido diante da paisagem. Era tudo azul e cinza.

Poderiam ficar ali por muito tempo, e talvez não precisassem descer. Mas, antes que pudesse dizer alguma coisa, Goque foi surpreso pelos primeiros passos de Tonto na direção do Jardim dos Mil Corpos e começou a segui-lo devagar.

Tonto baixou o pano que cobria parte de seu nariz e boca, estava atrapalhando ainda mais sua visão. Nunca havia sequer imaginado um lugar tão obscuro. Goque hesitou mais uma vez antes de finalmente pisar naquele solo estranho. Era liso e quase espelhado, de aspecto azulado e frio. Tonto desequilibrou duas vezes antes de conseguir avançar. Ali a poeira era mais densa embora parecesse que estava baixando. Havia um murmúrio no ar como se constantemente alguém estivesse sussurrando com voz rouca.

— É aqui que eles estão — disse Goque com sua voz rouca pesando como uma rocha.

Tonto o encarou por um instante em total silêncio, não sabia o que dizer; viu através de seu corpo de cristal o coração de pedra tão especial pulsando ainda mais forte. Nunca vira algo como aquilo. Em certo momento ele teve quase certeza de que havia chamas em fios sutis dançando no vermelho do coração do papa-cristal. Imediatamente seguiram a caminhada sem conseguir enxergar muito do que vinha pela frente ou qualquer direção que olhassem. Pisar ali era como andar sobre um espelho, embora fosse mais opaco era possível ver silhuetas distorcidas projetadas de seus próprios corpos. Não havia luz do dia pois o céu estava tremendamente encoberto por nuvens obscuras e movediças e a cada instante outras se juntavam numa batalha para impedir os raios de chegarem ao mundo.

Não souberam onde estavam e nem se estavam mesmo seguindo em linha reta, mas uma rajada daquela mesma brisa varreu a poeira bege e revelou uma cena de arrepiar. Tonto queria se encolher ou apenas recuar, mas estavam cercados. Eram eles. Mil corpos de cristal do mais puro. Paralisados e opressores. Goque envolveu os ombros de Tonto com um braço enquanto olhava em volta. Todos aqueles papa-cristais estavam cercando-os em todas as direções num círculo gigante e ao mesmo tempo claustrofóbico. E logo mais à frente havia uma cratera que descia profundamente naquele solo espelhado e dela emanava aquele sussurro tão terrível e sufocante ao coração.

Foi somente quando Goque fez a menção de dar mais um passo segurando Tonto que todos aqueles seres pareceram despertar como se aquele gesto fosse uma grande ofensa. E um deles ainda paralisado, mas de voz deprimida disse:

— Irmão Goque, é uma magnífica honra tê-lo entre nós! — os outros fizeram uma mensura curvando um pouco seus corpos azulados pela luz tênue. — Veja que destino esplêndido, você aqui justamente quando nós temos um banquete em disposição.

— Desculpe-me, irmão, em ter que cortar sua gentileza, mas infelizmente não estou aqui pela estrela...

— Não?

Tonto sentiu um forte calafrio em todo o seu corpo com aquele tom de voz assumido pelo outro papa-cristal. Seus gestos eram grotescos e quase ofensivos aos olhos.

O Inventor de EstaçõesWhere stories live. Discover now