- Sim, é o João. Ele fica em silêncio por tanto tempo que não sei o que fazer. Por um momento pensei que ele fosse ficar feliz, pois gostou tanto do pai. Mas, ele só parece em choque. - Filho, me diz alguma coisa. Peço com uma voz baixa e fraca.

- É que estou tentando entender mãe. Você não sabia que meu pai não sabia que era meu pai. Foi por isso que não me contou?

- Foi. Achei por muitos anos que seu pai não queria ter responsabilidades com você. Mas, ele quer. Ele é um bom homem. O João só não sabia sobre você.

- Isso eu entendi. Mas, porque ele não me contou? Ele devia ter me contado, todos esses dias juntos. Eu acabei de falar com ele. Ele confessa enquanto lamenta.

- Eu pedi para ele não contar.

- Por que mãe? Por quê?

- Porque eu queria te contar, meu filho. Você é tudo que me importa. Eu quis te contar a verdade e seu pai permitiu.

- Não sei mãe. Isso me pareceu errado. Você sempre diz que é errado mentir, mas você mentiu para mim.

- Me perdoe, Heitor. Eu omiti sim, mas não menti. Só fiz o que achei melhor para você.

- Mãe, quero ficar sozinho. Eu falei com o João não sei porque ele não me contou. Ele disse que era meu amigo. Por que ele mentiu para mim? Eu estou confuso.

- Heitor. Tento me explicar.

- Não mãe, só me deixa.

Nesse momento resolvo deixá-lo. É o melhor a si fazer. Acho que todos nós precisamos de um tempo. Ando pelo meu apartamento, penso em como tudo mudou tão rapidamente. Penso no bebê que já está amadurecendo, mesmo sendo ainda muito pequeno.

Caminho até o meu quarto, fecho a porta e me jogo na cama. Estou aliviada, confusa e triste. No fundo ainda tinha esperança de que o Heitor fosse ficar feliz, mas acho que ele se sente traído por mim e pelo João. Talvez ele tenha razão, talvez, nunca vamos saber ao certo. Espero de verdade que Deus olhe para as intenções, porque essas sim foram as melhores.

Fico deitada olhando para o teto, pensando se eu me transportei para um universo paralelo, mas sei que não, contudo queria que sim. Estou acostumada a fugir sempre que quero, agora queria isso mais que tudo. Só que o tempo de fuga acabou, preciso encarar a sucessão de merdas que fiz, e nem sei por onde começar.

Perco-me em pensamento que vão desde de a melhor noite de minha vida, quando fiz o meu filho, até algumas horas atrás. A luz do dia se foi, mas me sinto letárgica, e não tenho vontade de fazer nada. Queria ser de novo uma criança, para não ter grandes preocupações, eu só precisava ser a boneca perfeita que a minha mãe tanto sonhou, mas meu jeito moleca nunca me permitiu isso. No entanto, isso me aproximou muito do meu pai. Meu pai, queria seu colo agora.

Com uma coragem, que vem sabe-se lá de onde, ligo para o meu pai.

- Pai. Digo com voz chorosa.

- O que foi minha menina?

- Acho que meu filho me odeia. Contei a verdade para ele, pai. Eu... Titubeio - Vem ficar comigo, eu preciso de colo, pai.

- Estou indo meu amor. Ele responde de modo carinho e emocionado.

Acho que sempre fui afastando as pessoas de mim, isso meio que virou meu mecanismo de defesa. Além disso, essa minha tendência de me culpar por tudo. Quer saber vai tudo mundo se ferrar! Eu era só uma menina, que foi expulsa de casa pela mãe desequilibrada. E o João também é um filho de uma puta, desculpa dona Cassandra. Mas, que merda! Quem é que saí por aí transando sem camisinha? Quem que faz sexo sem proteção e não procura a mulher para ter certeza de que ela não engravidou?

Okay! Posso estar exagerando. Quer saber? Não estou não, aquele filho de mãe. Eu bem que queria dar uns bons tapas nele agora. Respira Melissa, respira. Cadê aquela merda de saco de papel quando eu preciso?

A campainha toca, deve ser meu pai vai ser bom falar com ele. Em um momento distante ele era meu melhor amigo, que sempre me apoiava. Sabe aquela pessoa que sempre te convence de que tudo vai ficar bem? Pois é, é isso que meu pai fazia. Abro a porta e lá está ele. Sem nenhuma palavra ele simplesmente me abraça e caio novamente em lágrimas, que depois de algum tempo vai cessando.

- Calma filha. Tudo vai ficar bem.

- Ah pai, eu não sei. Estou com tanto medo.

- Me conta o que aconteceu.

- Eu contei a verdade para o Heitor, agora ele está lá no quarto, não quer falar comigo. Ele me odeia pai.

- Claro que não. Você me odeia Mel?

- Não.

- Mesmo depois de toda a minha ausência, você não me odeia?

- Não pai. Eu te perdoei, ainda dói o que fez comigo, mas eu te amo. Por isso, te perdoei.

- Então filha. O Heitor também vai te perdoar.

- Será que ele vai sentir a mágoa que eu sinto? Falo com sinceridade, mas por saber o peso do que disse me desculpo.

- Filha, você tem toda razão de ter mágoa de mim. Nao precisa se desculpar. Eu não fui forte o suficiente para estar ao seu. Vou passar o resto da minha vida tentando me redimir com você e sei que ainda será pouco. Mas, entenda que a sua relação com seu filho é diferente, você sempre esteve ao lado dele. Além disso, quando ele estiver mais velho ele saberá como as coisas funcionam no mundo dos adultos. O que eu quero realmente te dizer é que você é uma excelente mãe. Você foi mãe e pai para seu filho. Mel, você é muito melhor do que eu e sua mãe e é por isso que seu filho te ama e sempre vai te amar.

Emociono-me com as palavras do meu pai. Há tempos que não me via assim, como uma pessoa forte, guerreira, uma pessoa que merece ser admirada.

- Obrigada pai. Você me deu uma infância feliz pai, depois... Bem a gente ainda vai superar isso.

- Mesmo sem merecer espero que sim, filha.

Ficamos conversando por mais de uma hora, até que chega a hora de meu pai ir. Despedimo-nos e eu me sinto mais aliviada e pronta para procurar o meu filho.

Heitor

Estou em meu quarto, fico olhando para teto pensando no que acabo de descobrir. Meu pai é o João, meu melhor amigo, uma das pessoas mais legais que já conheci. Eu queria tanto que ele fosse meu pai, mas agora tudo ficou confuso. Ele tinha que ter me contado a verdade.

Sinto vontade de ligar para ele, mas não ligo. Estou tão feliz, eu tenho o pai mais legal do mundo. Eu queria tanto ter conhecido ele antes.

Minha mãe escolheu bem meu pai, mas estou triste com ela. Ele é legal queria que ele fosse meu pai a mais tempo. Imagina como seria divertido.

Escuto alguém bater na porta, deve ser minha mãe.

- Heitor? Ela chama. Demoro um pouco para responder, não sei se quero conversar com ela, mas acho que é melhor falar com ela de uma vez.

- Oi mãe. Ela abre a porta e pergunta:

- Podemos conversar? Aceno em resposta. - Me desculpa filho.

- Mãe, eu só tô triste, queria saber que o João era meu pai antes.

- Eu sei, querido. Você não gostou de saber?

- É claro que eu gostei mãe. Eu gosto muito do meu pai. Ela chora ao ouvir. - Não chora mãe. Vai ficar tudo bem. Não adianta nada, ela chora mais ainda. Então, eu a abraço.

- Eu te amo, meu filho. Te amo muito.

- Eu também mãe. A gente fica abraçado um tempão. Aí fico pensando se a gente vai ficar aqui em casa, como vou ver o meu pai? - Mãe, a gente vai morar aqui? Eu não quero mãe. Quero ficar perto do meu pai, do Miguel, da tia. Quero voltar para BH, mãe. Me deixa voltar.

- A gente vai mudar para lá, meu amor.

- Você jura?

- Juro. E juro que não escondo mais nada de você. Ela fala e eu acredito porque tenho o melhor mãe do mundo.

Ironias do DesejoWhere stories live. Discover now