Treze

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     Dei alguns passos desajeitados, largos e um tanto esquisitos na tentativa de fazer a calça ajeitar-se melhor ao meu corpo. Foi um pouco inútil considerando de que ela era do tipo skinny e eu nunca me agradaria do jeito que ela ficaria em mim. Estava tão concentrada em vestir que não notei quando Cloud apareceu.-O que você está fazendo?- ela perguntou.-Deixei de me perguntar isso á um tempo- murmurei em resposta. Expirei frustadamente e me voltei para ela, colocando as mãos na cintura com certa indignação, como que perguntando o motivo de sua aparição.-Escuta, eu acho que você pegou pesado com o Mc'Boyd- ela disse, escorando o ombro e a cabeça no batente da porta- Na verdade, acho que Parker e Arya concordam. E o tal Cole...-Eu falei meio alto, não foi?- disse, esfregando o rosto e suspirando- bom, isso é muito complicado... Cloud sentou-se no banco de madeira que estava entre nós. Estávamos numa espécie de escola agora, mais especificamente no vestiário. Nos livrarmos dos uniformes foi a primeira coisa que tivemos que fazer, e enquanto isso, devem estar virando o sedan ao avesso, procurando GPS, escutas, botões de auto-destruição, bombas e/ou explosivos, alguma arma poderosíssima...bom, na verdade o último item era o único que é real até onde eu sei, mas ele (eu) não está mais no carro. Inclinei a cabeça, observando o gesto amigo e afável dela. Cloud parecia estar oferecendo-se para ouvir os meus problemas. Não que eu ache que ela não faça coisas assim, mas não especificamente comigo. Ela era bastante determinada, e talvez um pouco pessimista. Ela costumava se preocupar bastante, e se irritava com facilidade. Não parecia a pessoa ideal para falar sobre si, de uma maneira mais profunda, para se abrir, desabafar. Mas, meu passatempo preferido era contrariar meus instintos, e disso ninguém pode duvidar. Por isso, sentei-me frente á frente com ela.-Eu me lembrei de tudo, desde a bomba. E eu sinto muita saudade da minha mãe...é só que, quando me lembro que vocês foram responsáveis, de alguma forma pela morte dela, eu...bom, é complicado, por eu fico esquecendo que não posso confiar em vocês tanto quanto confio as vezes. Ela inclinou a cabeça, com uma expressão que dizia "é uma boa questão".-Olha, todo nós já perdemos alguém por causa do exército do seu país, e é exatamente isso. Sim, nós fomos encarregados de revisar o campo da explosão, mas não tivemos nenhum direito de opinar quanto ao lançamento da bomba, e se tivéssemos, não teríamos escolhido lançá-la. Ele não teria escolhido isso.-Como posso ter certeza disso?- perguntei. Cloud deu de ombros. Pensei sobre como ele tinha razão. Na verdade, era curioso o fato de que eu tinha quase certeza absoluta, e talvez não precisasse de uma prova concreta. -Mas tenha certeza de que nós não somos inimigos. Na verdade, acho que nunca fomos de verdade- ela soltou um riso- talvez seja por isso que você se esqueça... Soltei um riso também, e disse:-Acho que preciso ir agora, estou devendo algumas desculpas.-Seja como for, é melhor se apressar- ela conselhou.-Por que? Ela mordeu o lábio inferior por um ou dois segundos antes de responder.-Só se apresse. Comecei a caminhar pelos corredores, pensando sobre o que Cloud tinha dito. Queria falar com Kyah, mas não podia simplesmente bater na porta do vestiário masculino. Talvez ele nem estivesse mais lá. Minha esperança era encontrar ele perdido pelo prédio, como eu. No entanto, achava pouco provável que fosse mesmo acontecer. De repente, cheguei á um extenso corredor que dava para duas portas grandes de ferro, elas estavam entreabertas, e reconheci um campo de futebol atrás delas. O sol projetava as sombras delas no chão, e a grama já era presente logo após o piso de concreto, uma transição nada suave. Resolvi atravessa-las, e meus olhos demoraram alguns segundos para se adaptar á mudança de luz.-Ryan, eu estava mesmo indo procurar por você- Parker disse, esfregando as mãos e caminhando até mim com um sorriso amigável no rosto.-Bom, Cloud já veio falar comigo sobre como eu fui uma pessoa horrível- disse, olhando ao redor momentaneamente- inclusive, estava indo pedir desculpas. Ele pareceu confuso por um instante, mas depois balançou a cabeça negativamente.-Não é sobre isso- ele esclareceu, soltando um riso. Agora era claro que era um campo que poderia ser adaptado para todos os esportes, não só para o futebol. As linhas pintadas na grama, demarcavam campos de futebol, vôlei mais ao centro, e ainda as jardas de futebol americano. Haviam mais uma ou duas linhas de um jogo que eu não reconhecia. Ao mesmo tempo que era uma boa ideia, para não precisar dividir o campo em vários, era uma péssima, por que tudo se tornara uma confusão de tabelas de basquete, goleiras e field goals, e ainda os enormes bastões de metal, onde eram presas as redes de vôlei. Somente adentrando mais o campo consegui ver uma mesa de ping-pong que estava deitada, mais ou menos á uns cinco metros de mim e de Parker. Estava virada de forma a parecer um mural. Na arquibancada á direita da mesa, Cole estava sentado, com os braços cruzados e um olhar assustadoramente sério e atento.-Eu quero ensinar você á atirar- ele disse, como que se estivesse dando doce á uma criança. Bom, pode-se dizer que eu era uma criança feliz, portanto. Isso seria divertido, e ao mesmo tempo, de muita utilidade. Sorri largamente.-Venha, a mesa é o alvo- ele disse, apontando com o indicador.-E o guarda-costas?- perguntei, sussurrando e sinalizando discretamente para Cole.-A condição para usar a arma- ele respondeu. Cole ficou de pé e caminhou na nossa direção. Ele caminhava olhando para cima, e de uma forma meio preguiçosa, como se estivesse infeliz com a tarefa. E o seu rosto denunciava isso (de forma clara) também. Parker, ao meu lado, cruzou os braços, impaciente. Parecia que estavam se provocando.-Três balas- ele avisou, estendendo uma pistola na minha direção- e ele não pode tocar na arma. Inclinei a cabeça, concordando. Considerando que Parker era um soldado, devia ser apenas uma precaução, mas antes que me perguntasse como ele poderia me ensinar se nem poderia se aproximar, peguei a arma e segurei com as duas mãos, um pouco perdida. Cole afastou-se um pouco, mas permaneceu perto o suficiente para interferir, caso necessário.-Sempre estique os braços, ou o coice da arma vai te acertar, e é bom evitar usar uma mão só- ele aconselhou- afaste um pouco as pernas, quando for possível. Dá estabilidade. Coloquei-me na posição que me foi instruída e senti um arrepio bom percorrer minha espinha. Me sentia poderosa, um pouco ameaçadora...quer dizer, não para eles, mas, ao menos eu não me sentia indefesa. Tateei levemente com o indicador até encontrar o gatilho, e deixei-o ali, enquanto apontava a arma para o chão por segurança.-Agora acerte a mesa, o mais próximo do centro que você puder- Parker disse, sinalizando momentaneamente com a mão. Pelo canto do olho, podia ver os dois garotos. A situação parecia tão tensa que até os gestos dele aguçaram a atenção de Cole. O cara realmente não confiava em Parker. Decidi ignora-los, já que pelo menos não parecia que a corrente de ódio que eles emanavam me envolvia. Mirei e atirei, sem hesitar muito. O estouro me assustou um pouco, e coice foi leve, quase sem nenhum recuo. Poderia ser por causa do modelo da arma, do seu tamanho, ou só porque estava com os braços esticados, como Parker tinha aconselhado. De qualquer forma, meu tiro atravessou a mesa mais ou menos um dez centímetros (para a direita e para cima) de onde eu imaginava ser o meio. Se tivesse que me dar uma nota, seria algo como B- ou B.-Tenho uma segunda chance?- Perguntei, me voltando para Parker.-Não- ele respondeu- sua nova missão é atirar exatamente no mesmo lugar. Expressei minha surpresa com uma expressão condizente. Ele não pareceu ligar.-E não precisa de toda essa pressa. Quando mais longe você estiver do alvo, mais tempo vai gastar mirando, nos primeiros treinamentos.-A não ser que você esteja no meio de um conflito- Cole acrescentou- aí é mais fácil sair atirando de qualquer jeito. Parker lhe lançou um olhar repreendedor, e Cole respondeu á altura. Parecia que eles trocariam socos á qualquer momento. Será que eles já se conheciam, antes de se encontrarem aqui? Passei longos segundos imóvel, apenas revezando o olhar entre o buraco da minha primeira bala e o cano da pistola. Quando finalmente atirei, fiquei feliz com o resultado. A bala não passou exatamente pelo mesmo buraco, mas apenas um centímetro acima, deixando o buraco com o formato oval. Na minha opinião, era definitivamente um A-. Aproveitei a oportunidade e, quase sem me mover, atirei uma terceira vez. E então, nenhuma marca na mesa (se fosse visível de onde eu estava), que quer dizer que ela atravessou de forma perfeita. -Foi um bom resultado- Parker elogiou, sorrindo. Em seguida, ele pegou a pistola da minha mão, e mostrou-a para Cole, e relembrou que ela estava vazia. Ele abriu o que chamou de tambor, um cilindro de metal com compartimentos vazios, onde eu deveria colocar as balas. Também mostrou um pequeno mecanismo, quase imperceptível na lateral da arma, que era a trava de segurança, e me ensinou como travar e destravar. -É o suficiente por hoje- Cole disse, tirando a arma da mão de Parker de repente- Vamos, Dakotta deve estar procurando vocês.

RadioativaWhere stories live. Discover now