Logo depois do meu nascimento, meu pai de alistou na milícia, para entrar em combate nos campos de conflito e lutar na Primeira Guerra Atômica Mundial, mesmo que isso fosse uma sentença da morte inevitável. Ninguém voltava vivo dos campos de conflito. Mas fez isso pelo mesmo motivo de todos os outros voluntários: O dinheiro extra que ele ganhava como salário (mesmo que ainda muito pouco), era revertido para mim e para minha mãe. Eles não teriam conseguido alimentar uma terceira boca sem ele. Isso me permitiu viver uma pequena fração de minha infância num apartamento pequeno, na rua em que até hoje eu resido. Infelizmente, dois anos depois a notícia veio: ele havia falecido nos campos de batalha.

            E então a verdadeira questão: Quando eu e minha mãe acabamos tendo que reduzir nossas prioridades para se encaixar com aquilo que o governo nos proporcionava, tudo na minha vida mudou. Arranjar emprego era um sonho, tanto quanto não precisar preocupar-se com sua vida á cada segundo que passasse. Não. Viver num mundo castigado por mais de cento e vinte anos de guerra não permitia nada disso. Ninguém tinha dinheiro para comprar roupas, para pagar por energia elétrica, para comprar sua própria comida. Então as fábricas, as lojas, os supermercados, aos poucos, fecharam. Não podíamos pagar um aluguel ou uma hipoteca, então nós começamos a dormir no abrigo antibombas de nossa rua, assim como quase todos os outros moradores dela. E a comer aquilo que a assistência social proporcionava para nós.

            E era lá que eu estava naquele dia. Sentada junto á mesa de plástico, semelhante á centenas de outras que me cercavam em todos os lados, por metros, dentro da enorme estrutura do pavilhão de alimentação. Em cada uma das mesas quadradas, haviam pessoas, famílias, comendo rapidamente devido á fome, sem muita conversa ou delonga. A regra era simples: Coma e vá embora. E todos costumavam seguir. No entanto, não havia uma só vez na qual eu vinha aqui, que não estivesse superlotado.

            Inclinei-me, escorando na cadeira de plástico e dirigindo meu olhar para o telão há alguns metros, no qual se via uma mulher falando com uma seriedade assustadora. Imagino que ela não estava incumbida á dar boas notícias, como de praxe. Estava muito bem vestida, com roupas limpas, livres de amassas e que lhe serviam perfeitamente. Isso já dizia muito por si só, bastava olhar ao redor (ou para si mesmo) para perceber que a maioria das pessoas usavam exatamente o oposto: Roupas desbotadas ou talvez remendadas, que muitas vezes eram curtas ou grandes demais, e embora não estivessem totalmente limpas, eram decentes. Podiam se notar muitas outras coisas, por exemplo, a mulher no telão usava brincos, e uma fina e delicada corrente com um pingente metálico, coisas que não podíamos nos dar ao luxo de ter.

-Com o ataque de ontem, a bomba nuclear em uma cidade alemã, os números do planeta sobem para uma porcentagem de exatos 34% de superfície inabitável, se somado ás porções de água- A mulher disse, abaixando os olhos algumas vezes, como se estivesse lendo algo. O que quer que fosse, estava longe do alcance da câmera. Ela suspirou e fixou os olhos brilhantes de frustração- O cenário mundial, como se deve perceber, piora cada vez mais...

            Infelizmente, por mais que as notícias fossem desanimadoras, não eram surpreendentes. Como se deve esperar, não conhecia mais outra realidade que não a minha. Me fazia pensar em como era a vida antes de tudo isso. Os únicos resquícios disso eram as pessoas que ainda possuíam algum valor para o governo, e por isso levam uma vida um pouco mais...segura.

            Ao virar o rosto uma segunda vez, vi uma loira sorridente á caminhar pela rua. O reconhecimento de seu rosto me arrancou um sorriso quase imediatamente, era Cassie Kadam, uma das poucas amigas que tinha. Ela estava bastante distante, mas podia ver seu vestido branco de onde estava. Isso a destacava das demais pessoas: Usar um vestido á colocava um degrau acima de nós, por menor que ele fosse.

RadioativaWhere stories live. Discover now