Quatro

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-Senhorita Mercer, está é a doutora Arya Seattle, que vai acompanhar vocês por precaução- O loiro disse, abrindo um sorriso e estendendo a mão na direção de uma garota que estava parada ali perto.
Observei-a. Ela usava roupas totalmente brancas, desde o suéter até os tênis. Seus cabelos eram ondulados e negros. Ela contraiu a boca numa expressão semelhante á um sorriso tímido. Após observa-la, outra coisa me ocorreu: Eles descobriram meu sobrenome. Como poderiam?
-Como descobriram meu sobrenome?- perguntei. Sr. Evan sorriu vitoriosamente.
-Ryan Mercer, dezessete anos, quase dezoito, aliás- ele respondeu- Se chama banco de dados mundial. Não haviam muitas Ryan's na sua cidade, apenas uma sem nenhum parente vivo.
Como não pensei nisso antes? Eles agora sabiam tudo sobre mim. Apesar de não trazer consequências imediatas, com toda certeza isso não era uma coisa boa para mim. Tentei não parecer surpresa, ou assustada com a descoberta, no entanto não pude sustentar seu olhar daquela vez. Não depois do lembrete que ele efetuou sobre o fato de eu não ter ninguém. Não pareceu proposital no entanto, apenas uma explicação orgulhosa sobre como ele me rastreou através do banco de dados, mas se eu não estivesse tão deprimida, daria um belo soco no rosto dele.
-Bom, além da doutora Seattle, está é a equipe que irá com você- O loiro continuou, tentando soar simpático. Será que não percebia que a situação não era tão boa para mim quanto era para ele? Sua animação e alegria eram praticamente incorruptíveis, desde a primeira vez que o vi- Este é o capitão Ivan Rye.
Dando alguns passos para o lado, ele estendeu o braço na direção do cara barbudo que estava na sala ontem. Seu uniforme estava completo, incluindo a pistola no coldre em sua coxa, a máscara negra pendurada no pescoço, e as grossas luvas negras. Ele se deteve á observar o loiro, surpreso pela sua gentileza em apresentar meus companheiros de viagem.
-Soldado Cloud Jersey- ele continuou, apontando para a garota.
Ela também estava muito semelhante a ontem. O uniforme completo. O maior diferencial de hoje, é que seu cabelo estava preso em uma trança que iniciava no topo da cabeça e terminava pouco antes do meio das costas, no entanto ela era perfeita e alinhada, assim como seu antigo penteado. Ela olhou para mim com o rosto livre de expressão, como se me cumprimentasse.
-Soldado Parker Casey.
Desta vez, o loiro apontou para o garoto de cabelos castanhos. Hoje, ele não sorriu para mim da forma que fez ontem, mas inclinou a cabeça suavemente mesmo assim. Diferente do loiro de dentes perfeitos, sua simpatia não era desconfortável. Me fazia querer amarrar ele á Cloud, para que ela aprendesse algo com ele.
Mas, será que não acabaria acontecendo o contrário?
-E o soldado Kyah Mc'Boyd.
Ele apontou para o garoto de olhos expressivos. Também usava o uniforme completo. Ele estava com as mãos enfiadas dentro dos bolsos da jaqueta. Seu cabelo estava alinhado. Ao ouvir seu nome, ele se voltou para o loiro, que lhe sorriu. Droga, porque ele precisava sempre sorrir? De qualquer forma, observei atentamente quando ele voltou sua atenção para mim e tive a impressão de ver seus olhos se abrirem um pouco mais, mas era tão pouco aquela distância, que deveria ter sido coisa da minha cabeça. Um vento frio soprou sobre o local, vindo do oeste. Me fez fechar o zíper da jaqueta até o topo. A jaqueta do uniforme era muito bonita. Ficava um pouco justa em todos, e seu fecho era diagonal, como um toque diferente. Além disso, tanto o meu, quanto o de Cloud tinham fivelas na altura da cintura. A dela estava fechada, marcando sua cintura de forma sexy. Me faz pensar se o modelista que desenhou esses uniformes quis que as mulheres não perdessem sua feminilidade num traje tão masculino ou apenas queria que todos pudessem diferenciar mulheres e homens no campo de batalha.
-Acredito que esteja um pouco familiarizada á eles- o loiro completou- Uma boa viagem a todos vocês.
Dizendo isso, ele se afastou com o Sr. Evan, impecável em seu terno. Quase simultaneamente, Ivan começou a andar para algo que estava atrás de mim, e todos começaram a segui-lo.
As últimas da fila, a doutora caminhou ao meu lado, que me levou a pensar que ela havia se reconhecido no fato de eu estar um pouco...á parte, do grupo. Eu tinha motivos. Eu não tinha vontade. Ela, provavelmente só era tímida, mas desajustados ainda são desajustados, e permanecem sendo, mesmo que andem com outro desajustados. Vai ver ela não sabia disso.
-No primeiro turno, Casey vai dirigir o sedan, mais tarde trocamos- Ordenou o capitão.
Haviam três motos pretas e um carro. Obviamente que eu nunca ganharia um turno, por mais que quisesse. Por incrível que possa parecer, eu sei dirigir. Apenas carros, mas é um começo. Eu aprendi com o segundo irmão mais velho de Cassie, Jake, antes dele partir para a guerra. Na época, o primogênito da família e o pai dela estavam na guerra, fazendo com que eles fossem os únicos a terem condições de ter um carro. Certo, eu tinha só quatorze anos e mal alcançava os pedais, mais eu era esperta, e passava muito tempo com Cassie, então aprendemos juntas. Mesmo que eu estivesse um pouco enferrujada, não significava que tinha esquecido. Quando me sentei no banco traseiro e fechei a porta, me ocorreu que Cassie também estava morta. Ela estava por perto, com certeza não tinha escapado. E se tivesse escapado, com certeza estaria com um tiro bem no meio da testa, disparado por um desses meus novos amigos. A doutora se sentou no banco do passageiro, Parker no lugar do motorista. O resto deles montou nas motos, e a única que podia distinguir era Cloud, já que sua a ponta de sua trança saltava de debaixo do capacete, e sua silhueta era claramente diferente das outras duas. Assim que partimos, ela começou a escoltar o veículo acompanhando-o pela direita. Os outros dois vinham á frente e atrás. A paisagem era árida, areia e mais areia até onde eu podia ver, estendendo-se até o horizonte. Atrás, perdido e sozinho no meio de uma espécie de deserto, estava um prédio com pintura totalmente gasta pelo vento que carregava areia consigo. O dia ainda estava um pouco longe de nascer, deixando a paisagem um pouco monótona e escura. Á frente, mesmo que muito, muito longe, se podia ver um borrão de bordas retas (mesmo que irregulares), indicava uma cidade. Quando percebi, estava mergulhada nas lembranças de minha mãe e de Cassie. Eram tão bonitas, simples e alegres, que pareciam feitas de ouro.
-Cloud estava com o irmão dela outra vez, não é?- Parker perguntou, espiando pelo espelho retrovisor.
Sua resposta foi minha total indiferença, enquanto eu continuava olhando para a paisagem.
-Acha que foi a única a salvar a pele dela por isso?- ele disse, soltando um riso- Não imagina o que nós já dissemos ao Sr. Evan, até mesmo o Rye. Ela tinha passado o dia sem vê-lo ontem, por conta do treinamento pesado que ele estava exigindo. E quando isso acontece, ela sempre acaba escorregando. Nunca tem uma noção de tempo quando está com ele.
-Olha cara, no lugar dela, eu não ia gostar que você ficasse espalhando isso- respondi, pensando no surto psicótico que ela teria se soubesse- porque está me contando?
-Nós somos a equipe dela, nós temos motivo para encobri-la- ele respondeu, inclinando a cabeça- Me pergunto porque você fez isso.
A essa pergunta, eu definitivamente não iria responder. Primeiro porque não queria falar sobre o quanto minha vida tinha mudado, e sobre as coisas e as pessoas que eu perdi. Segundo que é certo, cada um tem a sua forma de lidar com luto, mas livrar a barra de alguém não é bem uma forma, então eu não tinha exatamente uma justificativa.
-Soldado, não a pressione- Arya defendeu, decidida e suavemente- Evan disse que ela tinha perdido todos os seus parentes. Talvez ainda seja doloroso para ela...
-Bingo...- murmurei. Meu conceito sobre Arya Seattle subiu uns 2%.
-Bom, isso não é bem uma justificativa- ele disse, representando o outro lado dos meus pensamentos- Todos nós perdemos alguém por causa do país dela.
-E você acha que é o mocinho? Lembra que sua bomba quase me explodiu dois dias atrás?- disse, me inclinando para frente e elevando o tom de voz- Pode chorar o quanto quiser por sua perda, não é você quem é a arma desse carro, que será usada contra seu próprio país!
-Então nós somos os vilões?- Arya perguntou, se virando para trás- não se lembra como isso começou?
-Vai falar de política agora?
Estávamos a centímetros uma da outra quando Parker colocou a mão entre nós duas, impedindo que partíssemos pra próxima etapa. Ele quem era inteligente, porque eu estava vermelha de raiva, e Arya me parecia bastante frágil. Podia imaginar o final disso tudo. E ele me agradava. Afinal, o meu conceito sobre ela, foi pra -20%.
-Podem por favor voltar a uma conversa gentil? Eu imagino que ainda falta muito para o meu turno acabar- ele pediu, quase em súplica.

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