Ashton também errou. Errou quando, tendo plena consciência do modo como me sinto em relação a Michael, revelou cruelmente que eu não o amo.

— Por quê? — questiona Mali-Koa.

— Michael.

O eco de seu nome ressoa até se perder por completo em meio aos sons noturnos. O balançar das folhas das árvores, os pequenos galhos quebrados por esquilos, o canto dos grilos cada vez mais forte. Tudo se intensifica, obrigando-nos a encarar o silêncio barulhento.

Passei ao menos três dias em estado de negação. "Você não ama Michael". Definitivamente, o eco destas palavras também ressoou por minha mente durante muito tempo, perturbando-me em momentos inoportunos onde a pura tristeza tomava espaço em meus pensamentos. Sei que parece apenas mais um drama bobo, mas é bem maior do que isso. O sentimento é o de traição — de mim para comigo. Menti para mim mesmo durante um ano inteiro sem ao menos me dar conta. É como se eu tivesse caído numa armadilha feita pelas minhas próprias mãos e arquitetada pela minha própria mente.

Ninguém tem o direito de ditar o que você sente, nem mesmo seu anjo da guarda. É antinatural. Se eu estava destinado a uma decepção, então eu deveria ir lá e quebrar a cara sozinho. Sem interferências. O problema é que me conheço bem demais — sei que, se Ashton tivesse deixado que eu me machucasse em vão, teríamos brigado da mesma forma. A confusão é frustrante. Por três dias, achei que Ashton estivesse mentindo. Por três dias, ignorei a voz que repetia bem, bem lá no fundo de minha mente que Ashton era um anjo e que anjos supostamente não mentem (além de que ele é, literalmente, capaz de sentir aquilo que eu sinto). Então por que Ashton mentiria?

No quarto dia, tive de aceitar; o anjo tinha razão: eu não amo Michael.

Contudo, isso não é um problema. Hoje, no quinto dia, cheguei à conclusão de que o que sinto por Michael é forte e que o amor é um processo. Sentimentos estão em constante mudança. Se o amor pode se tornar ódio, por que a paixão não pode se tornar amor? Tudo está em evolução. Nada se estagna. Nos filmes, não é difícil ver aquela coisa de amor à primeira vista, mas, na vida real, não é bem assim. Ninguém começa um relacionamento amando incondicionalmente. O amor pode ser construído.

— Vou te pedir, mais uma vez, para que tome cuidado.

Mali-Koa me tira de meus pensamentos mais uma vez, mas acaba trazendo a tona uma ideia que vem tomando espaço em minha mente o dia todo: o desgosto que ela sente por Michael não é tão simples quanto o habitual ódio que ela sente por todos os seres humanos deste planeta.

— Por que você não gosta dele? — pergunto.

Tento procurar seus olhos, mas noto que, pela primeira vez na noite, eles não encontram os meus. Minha irmã encara o chão a nossa frente, uma linha de cimento que separa nossa casa do mato baixo. Uma legião de formigas transporta um besouro morto para sabe-se-lá-aonde enquanto Mali-Koa as incentiva com um pequeno galho. Lembro-me de quando éramos crianças e tentávamos atear fogo em caracóis, uma ideia cruel vinda da cabeça de uma garotinha de dez anos.

O silêncio se estica por mais alguns segundos antes que ela finalmente decida falar algo.

— Calum, tenho medo de que você se machuque — sua voz soa decidida ao mesmo tempo em que soa melancólica. — Só isso.

Mali-Koa está me escondendo algo e isso é um fato. Ela não teria tanto receio quanto a Michael se fosse somente preocupação de irmã mais velha. Não, Mali sabe de alguma coisa e não quer me contar... Será que Jack contou algum segredo a ela? Talvez ela tenha visto alguma coisa! Mali-Koa passava muito tempo na casa dos Hemmings e Michael também. Tem que haver uma conexão por aí, mas sei que nenhum dos dois me contaria se eu perguntasse — essa teoria só se confirma quando minha irmã não me encara e continua dando meias respostas.

white wings • au!cashtonWhere stories live. Discover now