Capítulo 8 - Corredor

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No desespero de sair o mais rápido que eu podia da sala, dei um passo estabanado para trás e bati em alguma coisa. Virei para ver que bosta eu tinha feito bem a tempo de ver um vaso que parecia caríssimo sacudir em cima da mesa. Ele se apoiou de um lado, depois de outro e eu comecei a suar frio. Resolvi esticar a mão para tentar estabilizá-lo, mas na minha ânsia de resolver acabei errando o ângulo e minha mão deu um pequeno tapa, o que o fez com que o vaso desistisse mesmo da vida e se espatifasse no chão, do outro lado da mesa.

― Droga ― eu choraminguei, querendo correr para longe.

O barulho tinha sido estarrecedor, mas, se eu tivesse sorte, talvez os dois estivessem envolvidos em um tórrido beijo e não tivessem percebido. Arrisquei lançar um curto olhar por cima do ombro para ver o tamanho da minha encrenca e me dei conta de que ela era enorme. Gigantesca. Ela era do tamanho de uma Lady Jennifer olhando por cima do meu ombro também.

Tá bem, talvez não tão gigantesca. Lady Jennifer era bem pequena, mas eu não era tão mais alto também. Mas a questão é que de alguma forma desde que o momento que eu bati no vaso até aquele segundo, ela tinha cruzado todo salão e estava parada a centímetros de mim. Um pequeno borrão que eu imaginava ser James estava parado à distância. Eu arrumei os óculos no lugar e percebi que ele estava bufando.

― Lucas! ― Lady Jennifer disse, atraindo minha atenção para ela de novo.

Então ela fez uma coisa. Quer dizer, ela enfiou suas pequenas mãozinhas nos meus braços e apertou, esbugalhando os olhos claros. Eu me encolhi, sabendo que eu ia levar uma bronca pelo vaso quebrado. Só por isso. Não tinha nada a ver com o fato da mãozinha dela estar queimando meu braço. Engoli em seco, tentando dar um sorriso sem graça e que me redimisse da culpa de ter dois pés esquerdos.

― Me desculpe ― eu disse, num sussurro sem coragem.

Com certeza o vaso era um daqueles vasos que tinha 200 anos de idade, uma história surreal e custava uma pequena fortuna. Uma fortuna com a qual eu poderia pagar uns 200 dicionários de economia. Eu olhei os caquinhos, desolado. Ai, senhor. Com certeza era de uma porcelana chinesa caríssima.

― Você está bem? ― Lady Jennifer perguntou, sacudindo meus braços para que eu voltasse a encará-la. ― Se machucou?

Eu encarei aqueles olhos claros piscantes sem entender uma palavra. De repente meu inglês tinha ficado excepcionalmente ruim de uma hora para outra e eu era incapaz de compreendê-la. Ela estava preocupada comigo? Comigo? Eu não estava em pedacinhos que nem o vaso da dinastia Ming.

― Ele está bem, Jenny ― James berrou do outro lado da sala. ― O vaso, por outro lado...

Olhei para o vaso de novo, fazendo uma careta. Lady Jennifer apertou o meu braço de novo e quando eu olhei para ela me sentindo apavorado, me dei conta de que ela estava rindo. O sorriso estava escancarado no seu rosto, fazendo seus olhos ficarem pequeninhos e presos em dobrinhas. Seu rosto inteiro se iluminou e eu comecei a ficar em pânico, certo de que um segundo a mais daquele sorriso me daria um caso grave de desinteria.

― O vaso é falso ― ela disse, dando uma pequena risada. ― Eu quebrei o verdadeiro quando eu tinha uns 8 anos e minha mãe substituiu por um falso antes que meu pai percebesse... ― eu inclinei a cabeça, olhando para o picadinho de novo. ― Ele percebeu no dia seguinte. Ele é muito fã de porcelana, sabe?

Eu me sacudi para sair de seu aperto, constrangido. Lady Jennifer me soltou, deixando o sorriso murchar no rosto. O que era bom para meu estomago, mas partia meu coração. Eu não queria ser responsável pela tristeza dela. Ou de ninguém, na verdade. Quer dizer, talvez não me importasse em ser o motivo da tristeza de James, que continuava bufando do outro lado da sala.

― Vou buscar uma vassoura e a gente pode arrumar isso antes do Duque ver ― eu disse, porque parecia o certo a dizer. ― Onde tem uma vassoura?

James começou a rir e Lady Jennifer espremeu os lábios, como também tivesse achando graça na minha vontade de arrumar tudo. Ora, eu tinha feito a bagunça. Era meu dever limpá-la. As regras na minha casa funcionavam daquela forma e minha mãe ficaria imensamente decepcionada se eu deixasse a cena do crime daquela forma. Uma coisa era fugir na surdina, mas já que eu tinha sido pego, eu devia arrumar.

― Os criados existem para isso, Luca ― James disse, jocoso, do outro lado da sala.

― O nome dele é Lucas ― Lady Jenny respondeu, encarando o garoto por cima do ombro.

― Tanto faz ― James respondeu.

Lady Jennifer bufou, girando na direção do menino. Eu aproveitei para desviar da mesa e dar mais alguns passos na direção da porta que me levava para o corredor e para longe de toda aquela confusão. Fui bem-sucedido até a metade do caminho, quando Lady Jennifer chamou meu nome e fez congelar no caminho.

― Onde você está indo? ― Ela perguntou, parecendo chateada. ― Não quer tomar um chá comigo e com James?

Eu preferiria tomar vacina de febre amarela. Cento e noventa doses. E a Inglaterra nem sequer era área de risco da doença.

― Eu lembrei que preciso falar com minha mãe ― eu disse, virando só um pouquinho para a encarar. ― Ela deve estar preocupada.

Lady Jennifer me encarou com um sorrisinho torto. Parada no meio daquela sala enorme, ela parecia ainda menor. Ela entrelaçou as mãozinhas na frente do corpo, parecendo tão frágil que fiquei com pena. Sua expressão denunciou que eu tinha dito algo errado e, repassando minha última fala, percebi que era o fato de eu ter citado minha mãe.

Eu ensaiei um pedido de desculpas na minha cabeça, mas não soube como exterioriza-lo. Minha atenção foi desviada para James, que se aproximou soturnamente, estalando a madeira lustrosa da parte do chão que não tinha tapete. Eu continuei incapaz de falar qualquer coisa, observando-o passar seu comprido braço por cima dos ombrinhos estreitos de Lady Jennifer.

― É claro ― ela finalmente disse, assentindo lentamente. ― Mais tarde nos falamos, então.

Não respondi nada. Só assenti e me contive para não sair correndo da sala. Esperei chegar até o corredor para sair correndo. 

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SIR: um plebeu honradoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora