14 - maçã do amor

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Cecília

Sento-me sobre a cama, ansiosa. Bernardo deve estar pra chegar e eu suspiro profundamente antes de alisar a minha calça jeans e a blusa de alças que estou usando.

— Consigo ver seu nervosismo daqui — murmura Barbara em algum lugar à minha esquerda.

— Você acha que ele vem?

Bernardo me convidou para ir ao parque de diversões que chegou à cidade, então nada poderia ser mais divertido do que aproveitar a noite maravilhosa de domingo conhecendo um ambiente totalmente novo. Bom, no interior eu passava um generoso tempo na Fundação, então essa coisa de diversão fora de casa era uma novidade, a não ser quando eu ia aos festejos da igreja que eram bem animados.

— Se ele próprio marcou o encontro, acho provável que sim — diz ela. — Bernardo é um idiota, mas não acho que seria tanto.

— Você estará conosco, certo? Bernardo disse que o amigo dele vem te buscar.

— Claro que eu vou. Bernardo me abordou na aula e falou sobre o tal Marcelo. Ele disse que eu poderia me divertir.

— E a sua mãe? Também espero que a tia Laura não ache ruim.

— Elas reagiram numa boa. E quando souberam que vamos voltar cedo e eu estou indo com você, se aquietaram mais. Só pediram que trancássemos a casa, porque elas vão demorar na igreja.

— Você já está pronta? — murmuro.

— Prontíssima. Agora vamos espe...

Suas próximas palavras são bruscamente interrompidas pelo barulho insistente de buzinas em frente à casa. Meu sentido se volta para o Bernardo e eu tenho certeza que é ele e o amigo.

— Vamos lá. Acho que são eles — Barbara murmura antes de eu pegar a bengala ao lado da cama.

***

Bernardo

Eu me enfio em uma calça jeans preta, camiseta de manga comprida igualmente preta, e nos coturnos antes de entrar na sala de estar. Meus olhos vasculham o sofá vazio antes de eu sentir um cheiro (não vou negar, bom) vindo da cozinha. Caminho até o pequeno compartimento e juro que tento disfarçar a incredulidade, mas é mais forte do que eu.

— O que você está fazendo? — murmuro; a mão contra o umbral da porta.

— Preparando o jantar. Eu sei que você está saindo, mas estou deixando o seu de qualquer forma. — diz meu pai, satisfeito, antes de virar peitos de frango na frigideira. O óleo estala antes de ele enfiar a colher para remexer o arroz em uma panela.

A imagem é uma novidade tão grande que eu acho que me esqueci de acordar e estou mergulhado em um sonho muito louco. Meu pai está cozinhando? Não o vejo fazendo isso há anos.

— Você bebeu? — As palavras deixam minha boca antes que eu possa evitar. A pergunta é tão idiota já que essa é a atividade mais apreciada por ele na maior parte do tempo.

— Uh, não, claro que não, filho. Eu vou parar com isso — diz ele e eu noto algo diferente na sua voz; acho que é constrangimento.

Tenho uma impressão de que nem ele mesmo acredita nisso. O Bruno agressivo já não dá as caras há muito tempo e quando ele para de beber fica justamente assim: quieto e um doce de pessoa. Eu poderia rir da ironia, mas não vou fazer isso.

— Hm. Eu espero que sim — murmuro, reservado, mas levemente surpreendido. Não é todo dia que alguém vê seu pai alcoólatra na cozinha bancando o cara atencioso e, finalmente, eu percebo que ele está de banho tomado. Os cabelos escuros estão molhados e ele trocou de roupa: uma calça de moletom folgada e uma camiseta azul. Ele quase se parece com o cara que eu conheci quando minha mãe estava viva. Talvez os dois socos que recebeu de mim o tenham feito pensar.

Uma Luz Na EscuridãoWhere stories live. Discover now