Capítulo 18 - Um tipo de fim

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A primeira pessoa que eu vi foi o pai de Sabrina, concluí, então, que era dele a voz masculina que discutia com a minha mãe.

— Por favor, vocês não podem entrar — o enfermeiro se colocou na frente da porta.

— Olha, rapaz, estamos esperando há mais de uma hora, já chega, eu preciso ver a minha filha. — A dona da voz ultrapassou o enfermeiro e entrou. Era Ingrid. — Meu Deus. Sabrina. — Ela veio rápido. — Como você está?

Sabrina ficou confusa, assim como eu. Quem os chamou?

— Vocês não podem ficar aqui — o enfermeiro estava logo atrás tentando convencê-los a sair, mas até um entregador de panfleto teria mais atenção do que ele.

Parei de prestar atenção nele quando vi o meu pai se aproximar, e sua cara de insatisfação era evidente.

— Recebo uma ligação do trabalho e dizem que o meu filho está fazendo confusão no hospital. Então eu venho e quando chego aqui me dizem que o "meu neto" está morrendo. Então eu me pergunto, que bagunça é essa, Fernando?

Claro, era o hospital em que o meu pai trabalhava. Óbvio que ligariam para ele. Então meu palpite era que foi ele quem avisou os pais de Sabrina, ao tomar ciência do estado dela.

O enfermeiro suspirou, derrotado, e saiu do quarto fechando a porta.

— Disseram que você corria risco — a mãe dela falou, as sobrancelhas franzidas em uma expressão de preocupação.

Meu pai chegou mais perto e observou Sabrina como se avaliando uma paciente. Em seguida pegou a mão dela e trocou o medidor de batimentos cárdicos para outro dedo.

— O doutor Edgar acabou de nos explicar seu quadro clínico — continuou ele, regulando a bomba de soro. — É bem preocupante.

O pai da Sabrina ficou um pouco mais distante, olhando de longe com a carranca no rosto e os braços cruzados. Assim como a minha mãe, mas ela estava do lado oposto.

— Ele disse que é de risco a sua... sua... gravidez — a palavra saiu com dificuldade da boca da mãe de Sabrina. Ela parecia um tanto desconfortável. Olhava para a filha de uma forma que eu não consegui interpretar muito bem. Decepção, talvez? O estranhamento era nítido.

Sabrina, claro, também captou aquelas coisas e seu rosto foi tomado pela tristeza. Peguei sua mão e entrelacei nossos dedos, apertando de leve, para lembrá-la que eu estava ao lado dela. Ela olhou para mim com uma expressão de gratidão silenciosa.

— Temos um ótimo plano de saúde, vamos incluir você nele — disse meu pai, solenemente.

— Não! — exclamou o pai da Sabrina, se desencostando da parede. — Não precisamos da ajuda de vocês para cuidar da saúde da nossa filha!

— Mas a sua filha está carregando o nosso neto — argumentou minha mãe.

Aí começou uma troca de agressões verbais só entre minha mãe e o pai de Sabrina:

— Nós podemos cuidar dos dois! — disparou ele.

— Nós queremos ajudar. Temos esse direito! — ela rebateu.

— Podem ajudar com os gastos do casamento.

Casamento?!

— CASAMENTO?! — a voz dela subiu uma oitava e os olhos quase pularam para fora, os meus deveriam estar do mesmo jeito. — Estamos falando de duas crianças!

— Crianças?! Rá, rá, rá — ele colocou a mão na barriga dramatizando. — Faz me rir. Eles vão ser pais! PAIS!

Aquele homem realmente queria casar uma filha adolescente?!

— Não muda o fato de serem crianças que vão ter outra criança! Você — ela apontou o dedo acusatório para ele — deveria ter tido mais controle sobre a sua filha. Ninguém aqui tem culpa de você tê-la deixado solta. Agora não vem querer prender o meu filho nessa loucura.

— Mãe, pelo amor de Deus — esfreguei a testa com os dedos, desacreditado em como a minha mãe foi capaz de dizer uma coisa tão imbecil.

— Da vida da minha filha, cuido eu — ponderou ele, as sobrancelhas franzidas com tanto afinco que lhe endurecia todo o rosto. — O seu filho — ele apontou para ela, com toda repugnância possível —, você querendo ou não, vai arcar com a responsabilidade dele nessa droga!

Minha mãe respirou fundo e, parecendo ceder, disse:

— Tudo bem. Eles podem morar juntos.

Suspirei prevendo uma catástrofe. Ela não devia ter dito isso para a pessoa mais conservadora da face da Terra.

— O QUÊ?! Filha minha não vai juntar trapos com ninguém! — agora sim ele estava ofendido.

— Estamos no século vinte e um, seu neandertal. Eu não vou permitir que o meu filho estrague o futuro dele por um erro estúpido que pode ser resolvido de outras formas.

— Me chamou do quê?

— Tá, tá, que casem — disse meu pai, em um tom de voz cansado.

Encarei ele, perplexo. Ele estava mesmo apoiando aquilo ou apenas tentando colocar fim à discussão?

— VOCÊ FICOU LOUCO, FÁBIO?

Ele ergueu as mãos para o céu, suspirando sonoramente.

A mãe da Sabrina, sabiamente, resolveu não entrar na discussão. Assim como nós dois. Não era como se eu e ela pudéssemos dizer qualquer coisa, éramos os errados alí. Mas eu não entrei na discussão, principalmente, por causa da Sabrina. Do estado dela.

Eu era o maior errado naquela situação, se abrisse a minha boca, jogaria ainda mais lenha na fogueira. Então eu preferia engolir calado a aumentar o nível de estresse de Sabrina. O bem-estar dela era a minha prioridade.

Olhei para ela, preocupado em como aquela discussão afetaria seu emocional. Seu semblante era de exaustão. Apertei sua mão novamente, dessa vez com mais força. Ela olhou para mim.

Apesar do cansaço evidente em seus olhos, pude perceber um lampejo de reconforto e confiança. Ótimo, ela sabia que não estava sozinha, sabia que eu cuidaria dela.

Queria mesmo era expulsar todo mundo do quarto. Sabrina precisava descansar e não merecia ficar escutando desaforos.

Mas como eu poderia explicar para dois adultos, que mais pareciam crianças birrentas, que esse não era o momento nem o lugar para discutir? A única coisa que parecia realmente útil era mandá-los calarem a boca e irem para o raio que os partam, mas infelizmente eu não tinha autoridade para isso.

— Eu não assino nada — lançou minha mãe. — Não vou tomar partido nessa loucura. Quando eles tiverem dezoito, que casem! — Ela estava resignada. Encostou na parede e cruzou os braços.

A melhor parte é que ninguém queria saber se Sabrina e eu queríamos nos casar ou não.

O pai dela ficou sem argumentos. Um silêncio sepulcral se instalou por cerca de dez segundos até ele declarar com escárnio:

— Não vou participar dessa palhaçada. — Caminhou para a porta, abriu com agressividade, e, antes de sair, olhou para Sabrina e disse: — Acabou as suas regalias. Você nunca mais terá a vida boa que me esforcei até aqui para te dar — com uma batida forte na porta, ele saiu sem nada me dizer ou nem se quer olhar na minha direção, como se eu não estivesse ali ou não existisse.

De fato, daquele dia em diante, eu passei a inexistir para ele. Nada de contato visual comigo. Nada de comprimentos. Nada de nada. Aquela visão que ele tinha antes de: "Fernando é uma boa influência para Sabrina", "um garoto responsável", "trabalha", "filho de médico", acabou ali. Tipo um fim.

Mas isso era o de menos. O maior ponto final que ele simbolicamente colocou ao bater aquela porta foi na relação afetuosa que tinha com a filha.

Encolhida na cama, com os olhos cheios de lágrimas, Sabrina encarava fixamente a porta. A mãe dela sibilou um: "vai ficar tudo bem". Mas todos na sala sabiam que aquela frase era mentira.

Como nascem as estrelasWhere stories live. Discover now