Capítulo 22 - Você vai se arrepen...

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Um detalhe sobre a minha mãe: ela gosta das coisas do jeito dela.

Por isso é controladora e quer que todos ajam de acordo ao que ela determina. Mas é importante não esquecer: ela é mãe. Mães querem o melhor para os seus filhos. O que não quer dizer que estão sempre certas, muito pelo contrário, elas também erram. Afinal, mães, diversamente do que os filhos pensam, também são seres humanos.

Parada na porta da cozinha ela me observava sem nada dizer. Talvez tivesse sido melhor ter ido direto para o quarto, eu ainda nem tinha tirado o uniforme do colégio. Coloquei o copo na pia e me virei sem pressa. Ela, por sua vez, deu um passo à frente com seu sorriso doce de boa mãe. Boa. Sei.

— Como foi na escola? — perguntou.

Eu detestava rodeios. Ir direto ao ponto era tão mais fácil. Por que as pessoas não pensavam como eu?

— Foi legal. — Era melhor entrar na dela.

Mas eu já sabia sobre o que ela queria falar. Desde o dia em que descobriu que Sabrina estava grávida, minha mãe andava me olhando como quem estava louca para: 1) me dar uma surra de madeira; 2) só me dar uma surra de madeira mesmo.

— Que bom — ela correu os dedos pela correntinha dourada em seu pescoço, calmamente.

Respirei fundo e me apoiei na pia atrás de mim, a conversa ia ser longa. Ficamos olhando um para o outro sem nada dizer até ela caminhar até a mesa e puxar uma cadeira.

— Sente-se, filho — apontou para a cadeira do outro lado.

Fazer o quê? Fui até lá e me sentei de frente para a fera, quero dizer, para ela.

Ela tomou fôlego. Pronto. Me ferrei.

— Você sabe o quanto me importo com você e como quero o seu bem, não é, Fernando? Você é o meu único filho, então todo o meu amor de mãe se concentra em querer o melhor para o seu futuro. Você é tão jovem, tem só dezessete anos. Tem tanto que estudar ainda. Tanto para viver. Eu não gostaria que nada atrapalhasse o seu futuro brilhante. Sei que acidentes acontecem, mas você não pode deixar isso atrapalhar sua vida. Não pode deixar que esse descuido destrua sua vida. Foi um erro terrível, mas felizmente, tem como resolver isso, e é bem fácil. Olha, conheço uma pessoa que pode ajudar. Ela pode acabar com esse problema e depois vai ser como se nada tivesse acontecido e...

— Para — levantei as mãos. Será que eu estava ouvindo direito? Minha mãe não podia estar supondo uma coisa daquelas. — Mãe, você quer que Sabrina aborte? — perguntei com toda a repugnância que cabia dentro daquela frase.

Os olhos dela se arregalaram.

— Claro que não, Fernando! — colocou a mão na altura do peito, parecendo ofendida. — Está louco? Eu nunca diria uma coisa dessas! Só o que estou dizendo é que você deveria repensar. É cedo demais para começar uma família. O que você sabe da vida? O que Sabrina sabe? Vocês mal cuidam de si mesmos, se esqueceram da camisinha! O essencial para o sexo seguro! Como vão cuidar de uma criança?

Eu queria dizer que ela estava errada, que sim, sabíamos cuidar de nós mesmo, mas Sabrina e eu mal conseguíamos resolver nossos desentendimentos de casal. Seríamos bons pais? Eu achava que até poderíamos conseguir, porque iríamos nos esforçar muito. Mas agora, diante daqueles olhos certeiros, eu começava a duvidar.

Ela percebeu meu olhar vacilante. Estendeu o braço sobre a mesa, segurou a minha mão e fez aquela expressão que só as mães têm quando querem fazer os filhos se sentirem crianças desprotegidas que precisam de seu cuidado.

— Olha, Fê, isso tudo é muito difícil. E confuso. Eu sei que você quer construir um futuro com a Sabrina e sabemos que uma criança dificulta ainda mais. Mas eu conheço alguém. Um dos meus amigos conhece um casal que não pode ter filhos. Eles são ótimos e...

Me levantei da cadeira.

— Quer que eu abra mão do meu filho para outra pessoa? — meu tom de voz, por incrível que pareça, era controlado. Eu nunca gritaria com a pessoa que me trouxe à vida, respeitava minha mãe, apesar de tudo.

— Não olhe desse jeito, Fernando. — Ela rodou a mesa, veio para o meu lado e colocou as mãos nos meus ombros. — Você não vai abandonar o seu filho, só vai fazer o que é melhor para você e ele. Além do mais, você ainda poderá vê-lo. Yana e Marcos disseram que não se importam se vocês quiserem ver a criança de vez em quando.

Encarei seus olhos caramelados por difíceis cinco segundos antes de virar as costas e sair.

— Com licença, mãe.

— Fernando, espera. Me escuta. Você vai se arrepender de não me ouvir. Não me dê as costas, garoto!

Atravessei a sala com menos passadas do que de costume. Não sabia para onde ia quando passei pela porta, só sabia que precisava de distância dela.

Enquanto caminhava sem destino exato, as palavras da minha mãe martelaram o meu cérebro como em uma mina de extração de pedras. Soava como a barbaridade que era, no começo, mas à medida em que as palavras iam se assentando, pareciam cada vez menos absurdas e mais próximas da realidade.

Uma criança poderia estragar uma vida? Poderia destruir um futuro?

Seria fácil se fosse da minha vida e do meu futuro que eu estivesse falando. Sabrina. Eu sabia que a gravidez na adolescência era um desastre. Mas seria tão desastroso para o resto da vida dela? Quais seriam as consequências?

Até aquele momento, eu ainda não tinha pensado tão longe. Mas era óbvio: o estigma da maternidade precoce acompanharia Sabrina pelo resto da vida.

Eu soube vagamente por Leandro que Cláudia e Sabrina tinham um intercâmbio programado para o final do ensino médio, no qual viajariam juntas. Mas agora, por conta da gravidez, Cláudia iria sozinha.

Sabrina nunca mencionou isso, não parecia importante. Mesmo assim, era algo que ela estava desistindo porque teria um bebê.

De quais coisas mais Sabrina teria que abrir mão por ser mãe?

Pensei que não estivesse indo para lugar algum, mas ao chegar na rua Aurora percebi que meu subconsciente tinha se encarregado da tarefa de escolher o destino.

O que eu estava prestes a fazer?

Como nascem as estrelasWhere stories live. Discover now