Capítulo 03 - Não há ninguém como vo...

3.3K 374 435
                                    

Eu não tinha nenhum talento.

Isso era meio deprimente estando no meio de todos aqueles adolescentes; pessoas aparentemente comuns que conviviam comigo diariamente na escola, mas que era só pegar um microfone, ou pincel, ou calçar uma sapatilha de balé que se transformavam em artistas. Ou quase isso.

Em minha cidade, Paraisópolis, havia uma escola muito voltada para a cultura, na qual a direção sempre organizava eventos de cunho artístico. E onde era que eu estudava? Exatamente. Nela.

Sempre tinha "o dia disso", "o dia daquilo". E aquele era o dia dos Jovens Artistas.

Era para os alunos talentosos que sabiam cantar, dançar, escrever poemas, pintar. Essas coisas. Coisas que eu não sabia fazer e por isso estava agradecido de ter apenas que estar ali presente para garantir dois pontos na disciplina de artes.

Apesar de ser deprimente e tal, era um alívio não ter que subir no palco.

O fato aqui é que toda sala tem aquele aluno que o professor sempre manda ler os textos, slides e até bula de remédio se for preciso.

Eu era esse.

Isso porque eu tinha uma leitura fluída, graças ao fato de que eu lia muitos livros desde que me lembro por gente.

Essa, aparentemente, era a minha única qualidade considerada como "mais ou menos" artística — obrigado professora de literatura por esse "mais ou menos" elogio —. Ou seja, nem oito, nem oitenta, ressaltando o fato de eu ser meio termo.

Parada em minha frente, com os olhos enormes, ainda maiores pelo tipo de lente dos óculos, ela esperava a minha resposta.

— Não.

— Como assim 'não', Fernando? Olha, é um poema curto e conhecido. Você já o leu, deve tê-lo de cór — a professora balançava a cabeça afirmativamente, como um tic nervoso.

— Eu não posso. Minha garganta não está muito boa hoje — tossi, uma tosse tão falsa quanto minha nota dez em matemática.

Ela estreitou os olhos, desconfiada. Em seguida passou o braço dentro do meu e me puxou para mais perto, como se fosse confidenciar algo importante.

— Fernando... você tem uma leitura fascinante e envolvente. É quase um artista. Não quer mostrar isso a todos essa noite? — e balançou a cabeça afirmativamente de novo, com um mega sorriso.

Mostrar o quê? Que eu tinha um "quase" talento? Ela realmente sabia animar alguém, fala sério.

Desviei os olhos dos enormes dela e foquei no palco, onde um grupo de cinco ou seis alunos se apresentava sob a luz prateada de um refletor. Estavam se acabando no street dance como se suas vidas dependesse disso.

— Fernando... estou esperando... — ela disse entre os dentes para não desmanchar o sorrisão.

Que furada.

— Não tem mais ninguém que possa fazer isso? — olhei em volta para ganhar tempo e acabei vendo o momento exato em que uma pessoa roubou meu acento na plateia. Excelente.

— Não. Não há ninguém como você, Fernando — ela olhou bem no fundo dos meus olhos para dizer isso, com toda uma seriedade.

Respirei fundo, derrotado. Acho que ela entendeu meus ombros caídos como um sim, porque saiu me arrastando pelo corredor.

Fui levado para o matadouro, digo, bastidores, que na verdade era uma cortina preta dividindo o palco do público.

A professora me entregou folhas com uma fonte gigantesca que dava para ler a quilômetros de distância. E o que custava ter impresso no modo frente e verso? O nome do autor ganhou uma página exclusiva. Se a minha mãe, como a bióloga fanática que era, visse aquilo, mandava logo botar fogo nos envolvidos. Balancei a cabeça negativamente e comecei a ler para mim mesmo.

Havia um barulho insistente das demais pessoas que estavam se organizando para entrar em cena, mas consegui me concentrar.

A professora havia me dito que eu teria alguns minutos antes de ir lá dar minha cara a tapa. Então eu precisava me preparar.

Falando em dar a cara a tapa, ou a soco, tanto faz, adivinha quem apareceu naquele exato momento?

Como nascem as estrelasМесто, где живут истории. Откройте их для себя