Capítulo 4 - Parte 1

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Sevilha, Reino de Castela (atual Espanha), julho de 1.401

A noite estava quente e a lua cheia no céu brilhava tanto que iluminava tudo ao redor do acampamento cigano, onde normalmente não havia nada além da escuridão. Aquele era um local onde a festa, música e a alegria estavam presente, mas era particularmente durante a lua cheia que aqueles eventos eram ainda mais animados.

Os ciganos tinham o costume de observar o céu e estudar os astros e estrelas, buscando respeitar profundamente a mãe natureza e seus mistérios. Cada fase da lua tinha um significado e uma influência sobre as pessoas e seu estado de humor, mas a lua cheia era especial. Ela simbolizava a plenitude e por isto as pessoas ficavam mais animados e falantes do que o normal. A fogueira que fora acesa no centro do acampamento ardia em longas labaredas vermelho-amarelo-alaranjadas em direção ao céu. A um canto, dois homens tocavam seus violões; um, tocava o violino e outros três complementavam a melodia com palmas bem marcadas. Ao redor da fogueira, mulheres e crianças dançavam alegremente, enquanto os homens, em sua maioria, permaneciam sentados tomando vinho.

Luna e sua amiga Ágata tocavam suas castanholas ao passo que outras garotas preferiam o pandeiro. A saia amarela com babados laranja de Luna rodopiava livremente ao redor de si conforme ela procurava acompanhar a amiga. Seu cabelo havia se soltado da trança e agora balançava, caindo-lhe no rosto conforme a brisa soprava.

Estava tão entretida em acompanhar os acordes dos violões com suas castanholas que levou um susto quando Ágata acertou uma cotovelada em suas costelas.

— O que foi isso? – demandou, levando a mão ao local dolorido.

Ágata não respondeu, apenas apontou com o queixo para o outro lado da fogueira onde uma linda cigana morena em um vestido violeta dançava com um pandeiro cheio de fitas nas mãos. Ela olhava fixamente para frente. Luna não precisava seguir a direção da mirada da garota para saber quem encontraria. Sentado no meio de um grupo de homens que discutia alegremente e onde estava o Barô  (Líder), seu tio, Ramirez, encontrou seu primo, Hiago.

Hiago sequer demonstrava perceber todos os esforços que a outra garota fazia para chamar-lhe a atenção parecendo completamente absorvido na conversa do grupo. Ele trazia um lenço laranja amarrado na cabeça, como era o costume dos Rom (cigano) em um forte contraste contra o escuro de seus cabelos que lisos, caíam pela nuca. Sua camisa de cetim folgada e também laranja tinha diversos desenhos bordados, além de botões de ouro sobre a tez morena de seus braços. Do pescoço, pendia um cordão grosso de ouro com uma estrela de David que ela reconheceria em qualquer lugar. Trajava uma calça azul marinho e os pés, descalços como a maioria das pessoas do grupo. Seus olhos escuros estavam voltados a seus companheiros e vez por outra, sorria por baixo do bigode.

— Acho que Samara está jogando todo seu charme à toa. – zombou Ágata, soltando uma risadinha maliciosa.

Luna não conseguiu se conter e também sorriu. Desde que eram crianças notara a afeição que Samara nutria pelo primo e que agora, mal conseguia disfarçar. Quando finalmente percebeu que seus movimentos estavam sendo em vão, a garota jogou o pandeiro no chão e saiu pisando duro, indo em direção a uma das Tzaras (Tenda) que ficava à alguma distância. Somente naquele momento o comportamento da garota chamara a atenção de Hiago que observou aquele ataque de fúria sem compreender o que se passara para deixá-la tão furiosa. Luna e Ágata, por sua vez, riram ainda mais e, apesar da cantoria e das conversas, ele pareceu ouvir e franziu a testa quando seus olhos encontraram Luna.

Ela fez um gesto convidando-o para dançar, mas Hiago negou o pedido com um balançar de cabeça e, sentando afastado do grupo, tomou um gole de sua bebida. Com passos rápidos, Luna avançou até onde o primo estava e sentou-se pesadamente ao seu lado, dando-lhe um encontrão que quase o fez derrubar o copo em cima de si mesmo. Ele apenas limitou-se a olhá-la com evidente irritação enquanto limpava alguns respingos que haviam caído sobre sua camisa, arrancando uma risada de Luna.

De Luz e De Sombras - DEGUSTAÇÃOحيث تعيش القصص. اكتشف الآن