Capítulo 1

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Buenos Aires, abril de 1.954

O

 café estava cheio naquele horário com diversos clientes espalhados pelas muitas mesas do grande salão. No teto, havia um belíssimo vitral trabalhado de onde pendia um elegante candelabro de cristal. As paredes eram revestidas por painéis de madeira escura onde alguns quadros e fotos estavam pendurados. Pilastras de cor marrom se distribuíam ao longo do salão encimadas por colunas gregas ricamente trabalhadas; diversas mesas de bilhar ao fundo do salão concentravam muitos clientes, entretidos em suas próprias partidas enquanto fumavam ou tomavam um café.

Na parte da frente, mesas redondas ou quadradas abrigavam outros convivas que sorviam suas bebidas enquanto discutiam sobre política, livros e a vida em geral, tudo envolvido por uma leve névoa provenientes dos inúmeros fumantes ao redor. Aquele era um ponto de encontro conhecido na Avenida de Maio, em Buenos Aires, e sobretudo, reduto de autores de livros, diretores de teatro/cinema e boêmios, sobretudo, homens embora houvesse umas poucas mulheres. Independentemente do sexo, a elegância estava presente em seus trajes; eles, trajando terno e gravata, cabelos impecavelmente envolvidos em brilhantina que se reuniam em pequenos grupos, enchendo o ar com suas conversas animadas; elas, pequenos pontos delicados qual rosas em meio a um nevoeiro, usavam elegantes tailleurse cabelos cuidadosamente penteados.

Luna observava ao redor enquanto tomava um gole de café e comia um pedaço do delicioso churro, mergulhando-o em um pote de doce de leite. Definitivamente, aquele era um de seus doces preferidos. Não conseguia entender como os argentinos conseguiam fazer um doce de leite tão cremoso e saboroso como aquele... Fechou os olhos para degustar melhor aquela iguaria, concentrando-se no sabor adocicado que se espalhava por sua boca quando sentiu um leve tremor na mesa à sua frente. Nem precisava abrir os olhos para saber de quem se tratava.

— Está atrasado. — disse de olhos fechados, ainda saboreando o doce.

— E você está se tornando chata como uma velha.

Luna abriu os olhos e através da fumaça, deparou-se com Serafim sentado na outra cadeira, encarando-a com um ar divertido. Após tanto tempo, era impossível não ter desenvolvido uma certa intimidade com ele.

Serafim era alto e tinha ombros largos, sem necessariamente ser truculento. Sua pele era negra como a noite, assim como seus olhos e cabelos. Naquela noite, estava muito elegante em um terno cinza escuro, camisa branca e uma gravata em um tom também escuro, tudo impecavelmente bem passado. Ele aparentava ter por volta de seus cinquenta anos e trazia um sorriso amplo nos lábios, exibindo os dentes muito brancos.

— Reclamo só para dar mais emoção aos nossos encontros. — retornou Luna sorrindo. — Sabe o quanto eles significam para mim, não é?

— Depois de todo esse tempo... sei, sim. — concordou Serafim, fitando com atenção a mulher de tez clara, cabelos castanhos muito claros na altura dos ombros e singulares olhos esverdeados, trajando um tailleur azul-marinho muito elegante. Inclinando-se para frente, pousou sua mão sobre a dela que descansava ao lado de sua xícara.

— Como eleestá, Serafim? — perguntou sem muita cerimônia, olhando-o com expectativa. Aquela era uma pergunta sempre presente nesses encontros.

— Por que não descobre você mesma?

Serafim lançou-lhe um olhar enigmático enquanto deslizava um envelope sobre a mesa em direção à Luna que o pegou. Ela o abriu e após ler seu conteúdo, mal pode conter o sorriso que irradiava de seus lábios.

— Isso...Isso é sério? Eu nem acredito! — disse ela com animação e, levantando-se da cadeira, abraçou-o por sobre a mesa. — Obrigada!

Serafim retribuiu o abraço de forma afetuosa, satisfeito ao vê-la feliz. Ele estendeu a mão sobre a mesa, pousando-a sobre a de Luna que lia novamente o papel com mais atenção.

De Luz e De Sombras - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora