Capítulo 65 - Deslize

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– Justamente, e não consegui – explicou Sisson. Quando o pessoal começou a tacar pedra nos colegas pernambucanos, ele ergueu a mão e, ainda que meio a contragosto, pois era visível que também se ressentia da escolha do Partido vizinho, defendeu: – Eles estão numa situação complexa por lá. Parte da liderança presa, a polícia em cima mais do que nunca, enfim, até cogitaram nos ajudar, mas exigiram primeiro uma consulta à liderança na Capital, que cortou nossas asinhas. Disseram que não estão em condições de chamar um levante exatamente agora.

Lembrei-me das palavras de Prestes na reunião em que nos mandara para o Nordeste, vangloriando-se dos seus contatos, e dizendo que a Revolução estava a uma convocação de distância. "Basta eu retomar o contato com eles, e se colocarão à disposição com tudo o que possuem".

Ah, tá.

Praxedes, por seu turno, protestou.

– Mas e eles lá têm que estar prontos para alguma coisa? Não somos nós que temos que acender a chama e ir descendo? Que se preparem enquanto estamos a caminho!

– Um momento, Camarada Praxedes! – eu interrompi, erguendo o indicador. – Houve uma mudança de linha, agora a Revolução deve ser deflagrada simultaneamente em todo o país. E os camaradas, pelo menos os da direção estadual, já estavam cientes disso, porque eu e John comunicamos essa instrução na primeira reunião após voltarmos de Recife.

Ora, era preciso colocar os pingos nos ii. Eu não admitiria que fizessem parecer como se eu e Astrakhanov estivéssemos sonegando informação ou descumprindo nossas obrigações de elo entre o quartel-general e o comando local.

– Inclusive expressamos nossa dúvida quanto ao sucesso do plano – "John" me apoiou, ajeitando os óculos, que hoje decidira usar, – mas não nos cabia afrontar uma decisão massiva da direção local.

Praxedes emitiu uns resmungos contrariados.

– De fato – admitiu, por fim. – Mas pensei que, quando vissem nossa disposição, mudariam de ideia.

A quietude nos envolveu por um momento, quebrada por um "eu também" sussurrado por Sisson. Eles tinham um pouco de razão, na verdade. Olhando para aquelas dezenas de rostos crestados pelo trabalho na roça de sol a sol, para aqueles braços magros-desnutridos, que mal suportavam o peso dos fuzis, e ainda assim tinham se esforçado tanto na última semana para adquirir perícia em manuseá-los... Será que depois desse alarme falso, confiariam em nós novamente, atenderiam ao próximo chamado?

– E nós? – perguntou um dos rostos rurais, me arrancando do meu fluxo de pensamento. – O que fazemos agora?

– Continuem treinando – retrucou Sisson, catando o chapéu da mesinha onde o depositara ao entrar, e mostrando que dava a reunião por encerrada. – A Revolução acontecerá, e breve, só não será em agosto. Mas Getúlio não nos intimidará! – num rompante de energia, ele sacudiu o punho no ar. – Tive uma estadia muito agradável na região, foi revigorante conviver com seus ânimos dispostos – elogiou. – Ficaria aqui com o maior prazer, mas não posso deixar que me apanhem como apanharam Cabanas. Alguém tem que ficar solto para continuar o legado da Aliança.

– Entendemos, camarada – Praxedes tranquilizou-o, em nome de todos nós. – Já somos gratos por toda articulação que realizou na região. Certamente seu esforço não ficará infrutífero. E esperamos que tenha o mesmo sucesso no Sul.

– Obrigado, camarada – Sisson apertou a mão dele, levemente emocionado. – A articulação aqui não cessará – avisou. – Logo deve vir um camarada de Pernambuco para pô-los em contato com setores progressistas do Exército.

– Hm – mesmo na obscuridade da sala foi possível ler algum desagrado no rosto de Praxedes a essa informação. Que, aliás, ele também já tinha recebido de mim, mas pelo jeito sublimara.

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