Capítulo 55 - Audiência Real

242 42 383
                                    

Olá meu povo! Ainda falta uma hora pra meia-noite na Amazônia, mas como eu vivo aqui no futuro, já mando meus parabéns para o homenageado de hoje, o nosso shipper vira-casaca e perito em gritar conjuntos consonantais sem sentido em momentos tensos, o caríssimo ferrugemverde que hoje completa 21 aninhos.

Montinho no Artur.

No mais, passemos ao capítulo, que o Astra já está sob a mira do revólver há tempo demais.

***

O momento de tensão deve ter durado alguns segundos, mas pareceu muito mais. Fechei os olhos, com receio do que se seguiria. Minha mente imaginativa reproduziu sozinha uma imagem dos miolos de Astrakhanov voando para todo lado – e eu não queria nem pensar no que aconteceria comigo depois, já que os cangaceiros não eram exatamente famosos por tratar bem as mulheres.

Abri os olhos de novo. Melhor saber do que imaginar.

O russo permanecia encarando Lampião de cima e tinha trancado sua expressão para não demonstrar o medo que só se insinuava por um levíssimo tremor das mãos e pela descoloração do rosto geralmente rosado. Eu, que já o conhecia melhor a essa altura, ainda conseguia ler um rastro de raiva em meio à frieza estampada em seus olhos azuis.

– Não tive intenção de ofender – ele disse, em tom tão monocórdio, que, embora correspondesse à verdade, podia ser tomado pelo contrário.

Vendo que aquela postura podia prejudicá-lo e o incidente acabar mal, eu decidi interceder pelo tenente:

– Senhor Virgulino... – chamei, timidamente, com minha voz morrendo e se escondendo quando ele virou para mim. Limpei a garganta e prossegui – Não acho que seja caso para muita severidade. Tenho certeza que Stuart não tencionava usar a arma, até porque estamos em menor número. Ele a manteve por uma questão de segurança, já que esse é o trabalho dele, e ele o leva extremamente a sério.

Esperava que Astrakhanov tivesse captado toda a carga do meu "extremamente" rosnado entredentes. Lampião não pareceu impressionado pelo argumento. Silo veio em meu socorro.

– E como o senhor mesmo notou, ele é estrangeiro. Não conhece direito os costumes no Brasil e quem manda por estas terras.

– Pois me parece uma ótima oportunidade de lhe ensinar.

– Sem dúvida ele acabou de aprender – eu disse. – Não tentaremos nada, só queremos conversar, chegar a um entendimento sobre... o futuro.

– Nós damos a nossa palavra – completou Silo. Lampião voltou-se para ele.

– Não confio em palavra de comunista – ele retrucou. – Quem não tem respeito nem pelo Divino, como que vai ter pelo que sai da própria boca?

Eu estava mesmo ouvindo um bandido nos dar lição sobre temor de Deus? Deu vontade de me beliscar para verificar se não era um sonho.

– Eu nem sou comunista, não, só simpatizo – ouvi o Camarada Perereca gaguejar, à minha esquerda, e, a despeito do nervoso, mal contive a vontade de rir. – Vou à missa todo domingo e sou devoto de Padim Ciço.

Curiosamente, foi essa observação de Perereca que pôs fim ao impasse. No rosto de Virgulino delineou-se um sorriso torto, que se prolongou numa risada, e ele baixou a arma. Voltou sobre seus passos e a atirou no cesto com as outras, finalmente acenando para os cabras nos libertarem. Ainda bem; meus braços já estavam cansados.

– Tu, gringo, tem sorte de eu estar curioso pra saber o que querem comigo, por isso não vai ser hoje que eu vou te sangrar – ele disse. – Mas vamos comer primeiro, que prosear de barriga vazia é empurrão pra encrenca – e acenou para que nos juntássemos ao grupo que já começava a se reunir ao redor da panela que exalava um cheiro forte e agradável de feijão.

Dias VermelhosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora