Capítulo 33 - Olhos Negros

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Era difícil acreditar, mas agora nós sabíamos atirar. Astrakhanov olhava para nós como uma mãe orgulhosa ao ver seu filhinho dar os primeiros passos. Ele nem tinha mais medo de ficar perto de Jaime durante as aulas. Nossos bonecos de madeira estava todos perfurados, tínhamos passado aos alvos vermelhos e brancos, para treinar pontaria, e depois, ao tiro em movimento, com pistola, fuzil e submetralhadora.

Bruntieva também estava satisfeita com nossa condição física. Não tinha conseguido transformar "aqueles nanicos em máquinas mortíferas" e nem acrescentar quilos de músculos aos gravetos – Tatiana e Ludmila – mas, segundo ela, tínhamos atingido o máximo que a natureza nos permitia naquele pouco tempo de treinamento. Já conseguíamos fabricar pólvora sem o colega chinês, e também alguns outros explosivos, e mais importante: sabíamos nos desviar, correr, evitar uma explosão e os truques de defesa que são tão ou mais importante que os do ataque.

Diante desse quadro, os dois militares orgulhosos resolveram organizar um evento que seria, ao mesmo tempo, prática e diversão. Eles juntaram algumas turmas e separaram um domingo para um acampamento com uma espécie de gincana. Outros professores – os intelectuais, como Bruntieva os chamava – foram convidados para ajudar com uns pontos da organização e servirem de juízes, já que Bruntieva e Astrakhanov liderariam as equipes e, assim, obviamente não teriam imparcialidade suficiente para arbitrar a competição.

Eles também chamaram dois instrutores militares – Tretiakov e Anentsev – das outras turmas, porque, devido à desproporção entre homens e mulheres, resolveram dividir os homens em três equipes. Primeiro Astrakhanov propusera dividir as mulheres proporcionalmente entre as duas equipes, "para que ninguém ficasse com toda a desvantagem". Dessa vez, eu tive que admirar Bruntieva. "Minhas meninas não são uma desvantagem" ela disse, indignada. "E vamos bater vocês fácil".

E foi assim que, no final de setembro, em um dia livre, nós rumamos para o meio do mato, um terreno distante, diferente dos que costumávamos usar para praticar. O tempo já estava mais úmido, graças à chegada do outono, e o local que tinham escolhido, para nossa desagradável surpresa, era um tanto pantanoso.

– Se não for difícil, não tem graça – Astrakhanov respondeu, quando um dos rapazes reclamou das botas molhadas nos primeiros segundos.

Caminhamos um pouco, depois de deixarmos os ônibus, e, após ultrapassarmos um pequeno bosque, vislumbramos marcos espalhados por um amplo espaço descampado, em que moitas escassas faziam as vezes de vegetação. Algumas bandeiras, valas, cercas de arame farpado, paredes falsas para escalarmos. Bruntieva, que tinha a patente mais alta, se postou em frente aos quatro grupos, enquanto os outros militares nos entregavam fuzis. Teríamos que portá-los carregados o tempo inteiro, mesmo que houvesse poucas provas em que seríamos de fato obrigados a atirar – era preciso impor limites ao desperdício de munição.

Quando viu que nos concentrávamos nela, Bruntieva finalmente falou:

– Bom dia. A primeira tarefa de vocês é muito simples. Vocês têm uma informação, e precisam protegê-la a todo custo. Terão meia hora para arrancar das outras equipes os seus segredos. A pontuação será distribuída de acordo com a equipe que obteve mais informações, ou que as obteve em menos tempo, e pontos, muitos pontos, serão descontados da equipe que deixar que descubram o seu segredo. Espalhem-se – ela nos ordenou, com um gesto.

Cada equipe tomou o rumo de um canto do campo. Bruntieva, então, retomou a palavra, falando alto o bastante para que todos ouvíssemos.

– O Camarada Grigoriev – era um dos "intelectuais" – vai distribuir para vocês os papéis com as informações a serem mantidas em segredo. Nós não sabemos o que ele escreveu ali, – ela disse, referindo-se a si e aos outros chefes de equipe, – então nem adianta tentarem trapacear.

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