Capítulo 56 - Les Commères Miserables

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Fiz um muxoxo, mas acabei dando de ombros também.

– Agradeça aos nossos filhos hipotéticos por não ter que dormir na sala, então – eu disse, indo até a porta para corrê-lo dali, a fim de trocar as roupas da viagem por algo mais confortável.

Astrakhanov apanhou o chapéu que tinha largado em cima da cômoda e avisou que ia ao escritório da Great Western na estação ferroviária levar o atestado e descobrir os detalhes de horários e condições para começar o trabalho na segunda-feira. Eu fiquei para trás, desfazendo minha mala e guardando o conteúdo naquela mesma cômoda que agora revirava atrás do livro do código.

Encontrei rapidamente o grosso tomo cor de vinho com escrita e detalhes dourados na capa, e folhas ainda cheirosas, pois era um livro relativamente novo, de 1932. Confesso que me daria gosto possuí-lo só pela beleza — embora eu não fosse dada a costumes burgueses, como as manias de colecionador, claramente coisa de quem nem tinha mais no que gastar o dinheiro.

A beleza, todavia, nem entrava no rol de motivos que levaram a direção a comprar várias cópias de uma das primeiras edições em volume único de Les Miserábles. Além de escrito na língua oficial das nossas comunicações, o livro tinha mais de mil páginas, com um extenso vocabulário para a composição das mensagens codificadas, e um léxico específico muito útil para nós, já que tratava de política, em uma parte.

Encerrada minha pausa digressiva e para inalar o perfume do livro, catei uma folha em branco e um lápis e, enfiando-os na pesada obra junto com a mensagem original, alojei-me na varanda frontal. Ela era pequenina, mas convenientemente provida de uma mesinha redonda e um par de cadeiras de ferro vazado e adornado, pintadas de branco assim como a mesa.

A rua ainda estava vazia, uma brisa suavíssima soprava, ameaçando se ausentar em definitivo, o que provavelmente faria dali a pouco, pois os dias em Natal eram tão quentes como em Recife, Juazeiro do Norte ou qualquer pedacinho do Nordeste por onde eu havia passado nas últimas duas semanas. Então eu vim aproveitar sua breve companhia, pedindo-lhe em silêncio que não soprasse para longe as folhas que acomodei sobre a mesa.

1-33-7. Le. 157-5-2. Général. 2-25-1. A. 3-7-5. Parlé.

Suspirei. Isso ia longe. Especialmente se ficassem me obrigando a ir e voltar entre as páginas. Mas que fazer? Às vezes as palavras que queríamos eram raras.

Ao cabo de cinco minutos, eu tinha a primeira frase, bem pequena. Le Général a parlè au public. O general falou ao público. Prestes, provavelmente.

O tempo em trânsito nas viagens me afastara das notícias nacionais, já que não é fácil encontrar um jornaleiro no mar ou nas estradas rurais — e, para falar a verdade, nem tínhamos procurado, premidos que estávamos pela incumbência de contatar os cangaceiros. Agora era hora de se atualizar. Se Prestes tinha falado ao público — será que ele havia feito uma aparição? Duvido, seria preso na hora — certamente os jornais mencionariam. Eu compraria um depois de decodificar a carta, se ela mesma não contivesse tudo o que eu precisava saber.

L'Alliance Nationélle pour la liberté — fora preciso adaptar o nome da ANL para achar as palavras certas — a convoqué un metier, et la ils ont lu le manifest du Général. Ah sim, agora fazia sentido. Ele tinha enviado um manifesto para a Aliança. Será que já estaria invocando a adoção da palavra de ordem "Todo poder à ANL" ou eles permaneciam na política de enrolar Moscou? Il y a beaucoup des notres amis là. Nous pensons que maintenant...

— Bom dia, vizinha!

O pulo que eu dei seria digno de figurar como modalidade nos Jogos Olímpicos. Melhor salto sentado causado pela aproximação de vizinha sorrateira e intrometida. Coitada, eu não podia julgá-la sem ao menos vê-la. Ergui os olhos para dar com uma velhinha graúda de nariz curvado como um bico de pássaro, sobre o qual se equilibrava um par de óculos de lentes miúdas e redondas. Apesar do calor, ela usava um xale de tricô contra o "sereno" e, considerando os cantos levemente franzidos de sua boca, pelo jeito pensava que eu devia estar usando um também.

Dias VermelhosDonde viven las historias. Descúbrelo ahora