Era o enfermeiro. O mesmo com quem eu tinha gritado duas horas atrás por não me deixar ficar com Sabrina.
— Já pode vê-la, se quiser — o tom de voz dele não era muito amistoso.
Desanimado, desencostei da parede e o segui. Eu queria vê-la, mas não tinha certeza se era o melhor momento.
Sabrina deveria estar arrasada, ainda mais que eu. Ela precisava de alguém que a desse consolo e eu não era a pessoa mais indicada no momento.
— Obrigado — agradeci ao enfermeiro quando me deixou na porta.
Entrei devagar, procurando não fazer barulho.
Sabrina estava deitada na cama ligada a uma bomba de soro e uma máquina que registava seus batimentos cardíacos. Ela estava sem cor, apática, encarando para o nada. Os olhos, vazios.
— Sabrina — falei baixo, pegando sua mão.
Ela finalmente percebeu minha presença e me olhou com aqueles olhos cheios de lágrimas.
Fechei os olhos. Doía. Das mil coisas que eu poderia dizer, só o silêncio fez sentido.
— Eu estou bem, Fernando — a voz dela quase não saiu.
Senti sua mão tocar o meu rosto. Estava fria.
Claro que ela não estava bem. Nada estava bem. Sabrina queria o bebê. Apesar das dificuldades, ela queria. Minha mente traçou um caminho rápido até o futuro e não era nada bom. Ela não seria a mesma. Não seríamos os mesmos.
Sem contar que o pai da Sabrina nunca mais me deixaria chegar ao menos perto dela.
— Com licença — duas batidas na porta e alguém entrou.
Era um cara jovem, mas nem tanto, com barba e cabelos pretos, vestindo um jaleco branco. Eu o conhecia, era um dos amigos mais antigos do meu pai.
Ele chegou perto da cama, tirou o estetoscópio do pescoço e o colocou na altura do peito dela, pedido licença mais uma vez.
— Respira fundo para mim, Sabrina.
Ela o fez.
— Como está se sentindo? — perguntou.
— Dormente. — Ela quase não tinha voz.
— É por conta de um medicamento que apliquei no soro para você não sentir dor e ficar mais tranquila — falou com a voz mansa. — Mas já, já passa, tá bem?
Sabrina assentiu devagar.
O médico terminou com o estetoscópio e colocou de volta no pescoço.
— Como vai, Fernando? — perguntou, olhando para mim. — Não imaginei que fosse seu o nome que Sabrina chamava sem parar.
Continuei impassível. Não queria papo com ninguém.
— Então, querem saber o sexo do bebê?
— Não! Queremos que seja surpresa.
— Quê?
Ambos me olharam. E pelo visto, minha voz tinha saído um tanto estranha. Mais estranho que a minha voz era o que eu estava sentindo.
— O que foi, Fernando?
— Disseram que você estava abortando.
Ela colocou a mão na barriga defensivamente com uma expressão horrorizada.
— Quem disse isso? — o médico perguntou e pareceu meio irritado.
— Um médico da emergência.
— Deve ter sido um interno — ele suspirou, impaciente. — Sabrina teve uma hemorragia, o que é muito grave. Pelo que ela me disse, o dia foi um pouco cheio de emoções — ele a olhou e ela esboçou um breve riso de culpa — Provavelmente, foi isso que contribuiu para que seu corpo, que agora nutre outro ser, reagisse com uma crise hemorrágica. Mas não chegou a um aborto.
Coloquei as duas mãos no rosto soltando o um sonoro suspiro de alívio.
— Fernando, nosso bebê está bem — ela segurou minha camisa.
— Com licença. Doutor, preciso que me acompanhe.
— Desculpem, preciso ir agora. Toma conta dessa mocinha, não a deixe ter emoções muito fortes nem fazer esforços exagerados.
Ouvi a porta se fechar dois segundos depois.
Eu não sabia o que dizer, o que pensar, como agir, estava mentalmente esgotado. Então me debrucei sobre ela e a abracei, escondendo o rosto em seus cabelos.
— Fernando... — ela escorregou os dedos pelos meus cabelos acariciando devagar.
O alívio percorreu cada célula do meu corpo. Pela primeira vez desde que eu soube da gravidez, senti vontade de ser pai. Durante aqueles três meses de gestação, enxerguei a paternidade como uma responsabilidade que eu tinha que assumir por obrigação. Mas agora... agora eu queria ser pai daquela criança.
Coloquei a mão na barriga dela. Ele estava lá. Vivo.
Lembrei do objeto que ainda mantinha na outra mão e me afastei para poder lhe entregar. Os olhos de Sabrina se iluminaram ao pegar o cristal azul.
— É tão lindo. Ela vai amar.
Acariciei os cabelos dela, assistindo seu rosto se derramar em felicidade.
Emoções fortes foi tudo o que ela vivenciou naquele dia. A reação da minha mãe, o surto de seu pai, a fuga na loja... como pude ser tão irresponsável? Eu deveria cuidar melhor dos dois.
Naquele instante prometi a mim mesmo que nunca mais permitiria que eles passassem por aquele tipo de situação.
— O seu filho é que é um safado que devia ter deixando aquela coisa dentro da calça!
— Por favor, vocês têm que continuar na sala de espera. Ela ainda não pode...
— Como se ela fosse a inocente! Acha que ele a forçou?! — Era a voz da minha mãe?!
Minha pergunta se respondeu quando, no segundo seguinte, a porta foi escancarada.
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Como nascem as estrelas
Teen FictionFernando nunca foi de se meter em grandes encrencas. Com mais maturidade que a maioria dos garotos da sua idade, é reservado e está confortável em seu lugar de anonimato enquanto aluno mediano do ensino médio. Quando conhece Sabrina, tem certeza de...
Capítulo 17 - Fernando, nosso bebê está...
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