39 - SENTIMENTOS

667 142 71
                                    

— Não vai dizer nada? — A garota falou um pouco sem jeito coçando a cabeça.

Já faziam alguns minutos que eu estava sentada ao seu lado sem saber exatamente como se iniciar aquela conversa.

— Não sei, você quer que eu fale? — Perguntei lhe olhando. Ela tinha os cabelos tingidos de preto e usava lentes de contato da cor branca fazendo-a parecer um pouco psicodélica. Não era magra e nem gorda, usava roupas pretas e não parecia se importar de mostrar suas feridas da mutilação.

— Eu não sei, podemos ficar caladas o dia inteiro, Sou boa nisto. — Ela juntou as mãos e passou a brincar com os deus dedos polegares.

Estou fazendo tudo errado! Pensei chateada com a minha conversa catastrófica, mas eu sabia que ela estava se abrindo comigo, o que era um bom sinal e mostrava que ela confiava em mim.

— Como é seu nome? — Perguntei finalmente na tentativa de uma conversa inicial.

— Natália.

— Nome bonito!

— Não gosto muito dele. — Ela respondeu um pouco fria. — Meus pais me deram idealizando uma princesa de contos de fadas. Sou a decepção de família.

— Nossa, eu... também me sentia assim. — Falei animada por finalmemte ter algo em comum para falar com aquela garota.

Começamos a contar nossos problemas, eu falei como estava melhorando, expus meus novos pensamentos sobre a mutilação e comentei sobre uma reunião que eu iria neste domingo.

— Posso ir também? — Ela perguntou parecendo gostar da idéia.

— C-Claro... só me deixe anotar seu número. — Peguei um papel e caneta do Jhonnatas e anotei as informações necessárias.

— Foi bom conversar com você. Espero encontrar forças como você encontrou...

Balancei a cabeça positivamente e observei ela caminhando para a saída. Foi natural a forma como conversamos, eu não preguei a Bíblia, não falei sobre o evangelho, mas trocamos experiências e aquilo de certa forma a ajudou, e me fez sorrir feliz ainda sentada na cadeira branca. Jhonnatas, caminhou até mim me encarando nos olhos, com um sorriso de canto.

— Bom trabalho!

— Siiim! Foi incrível... — Falei ainda sem acreditar que pude ajudar alguém. — Posso falar com você agora?

Jhonnatas levantou a mão esquerda e olhou os ponteiros em seu relógio.

— Aqui não, eu preciso entregar o lugar — Ele respondeu segurando o seu casaco e sua Bíblia. — Mas podemos sair para comer alguma coisa e conversar. Estou com muita fome.

Sorri concordando com a idéia e fomos caminhando. Desci as escadas e Jhonnatas entregou as chaves ao porteiro que deu um aceno de cabeça agradecido. Nos despedimos de Sandro e Doris que conversavam apaixonados no passeio do prédio.

— Não esqueça de me contar como foi o encontro. — Minha amiga sussurrou em meus ouvidos quando nos abraçamos e os garotos conversavam.

— Não é um encontro! — Sussurrei de volta sem entender da onde ela tinha tirado aquela idéia.

Me afastei dela e voltei a caminhar com Jhonnatas que permanecia calado ao meu lado. O tempo ameaçava fechar, então adiantamos os passos até chegar em uma lanchonete pequena que vendia lanches organicos feitos na hora.

— VAI querer algo? Aqui vende umas coxinhas organicas maravilhosas! — Ele falou analisando o menu e voltou seus olhos novamente em mim. — Você gosta de lanches orgânicos, né? Desculpa, eu nem perguntei...

— Gosto sim, não precisa se preocupar...

Sorrimos juntos e então um clima estranho pairou no ar, desfiz o sorriso e abaixei a cabeça umedecendo os lábios. Por algum motivo sentir o coração acelerar como nunca tinha acelerado. Me endireitei na cadeira e notei que ele também tinha sentido algo diferente.

— Bo-bom... você me disse que queria me dizer algo, né? — Jhonnatas perguntou disfarçando o desconforto.

— Ah, sim! — Falei feliz ao perceber que o clima havia sido quebrado. — Eu queria saber como acabar com a tristeza. Como ser feliz de verdade. Eu fiz exatamente tudo o que você mandou que eu fizesse. Obedeci cegamente, mas o vazio não muda!

— Alice... Posso ter fazer uma pergunta? — Ele perguntou, balancei a cabeça positivamente olhando em seus olhos, e ele voltou a falar. — Quando eu falo o nome "Arthur", o que sente?

Lhe encarei, tentando reunir todos os sentimentos que vinheram em meu ser.

— Culpa.

— Esse é o problema, você perdoou a todos, mas não se perdoou ainda. Você precisa se perdoar, remover essa culpa que sente ao lembrar dele...

Era incrível como ele me decifrava, era com se ele já tivesse passado por tudo que eu já tinha passado.

— O que desejam? — Uma garotinha apareceu com um sorriso fofo lhe faltando alguns dentes.

— Oi minha pequena Giovanna, como andam as coisas na escola? — Jhonnatas perguntou brincalhão lhe fazendo cosquinhas nela.

— Estão bem. — Ela respondeu entre gargalhadas. — Ela é a sua namorada?

— Não! — Jhonnatas me olhou sem graça parando de cotucar a menina aos poucos. — Somos apenas amigos. Me traga o de sempre, e mande beijos sua mamãe na cozinha.

Ele me olhou mais uma vez, e de novo sentir aquela mesma sensação de coração acelerado.

— Eu não vou querer nada, acho que preciso ir...

— Alice, espere! — Ele falou ainda sentado no banco, mas eu não o ouvi como sempre.

Dei as costas e o deixei confuso na pequena lanchonete com a garotinha ao seu lado.

***

Voltei o caminho inteiro tentando entender o que era aquilo. Eu NUNCA tinha sentido aquilo, as minhas mãos suavam. Estava com a mente tão cheia que nem vi a hora que cheguei em casa.

Mas tinha algo estranho, acabei voltando para a realidade quando vi minha mãe parada na porta de casa com suas roupas de dormi.

— Alice! — Minha mãe correu em minha minha direção e me abraçou fforte. — Aonde você estava? Por que chegou tão tarde? O meu Deus!

— Mãe calma, estou aqui!

— Pensei que tivesse... fugido de novo!

— Não mãe, eu estava com o Jhonnatas... Calma. — A abracei forte tentando lhe reconfortar. — Nunca mais vou fugir, confia em mim.

Ela pareceu mais calma quando a guiei para dentro de casa. Sentir meu coração se apertar ao ve-la naquele estado. Nunca mais faria minha família sofrer daquele jeito. 

Mas enquanto isso, ia tentar esquecer o que tinha sentido ao olhar Jhonnatas naquele final de tarde.

 

ALICE Onde as histórias ganham vida. Descobre agora