05 - AJUDA

1.1K 214 21
                                    

Ainda estava encolhida, em meio as cobertas quando a Ramona entrou em ponta de pé, e se sentou na beirada da minha cama. Ela estava com meu moletom cinza e os longos cabelos castanhos ainda bagunçados. Parecia a Ramona de sempre, mas ainda sentia que não deveria confiar ou falar com ela.

- Precisamos conversar - Minha irmã falou em um tom calmo e suave, e, por um momento, senti que deveria me abrir - O que foi aquilo ontem?

Não era uma pergunta difícil de se responder, mas as palavras pareciam fugir. Continuei calada, ela respeitou, e também se calou. Ficamos em um grande silêncio por alguns longos minutos. Depois de chorar, quase toda madrugada, pela manhã, eu consegui ficar mais calma, mas, vendo a Ramona ali, me fez voltar a ter vontade de chorar e espernear por horas. Senti as lágrimas rolarem e cair no travesseiro que aquela altura, estava ensopado.

- Eu estou bem - falei sem lhe encarar, escondendo o rosto no cobertor. Eu não queria mostrar a minha dor, não queria parecer fraca e frágil.

- Desculpa, mas, eu não vou mais te chamar para conversar. Você precisa aprender a pedir ajuda, Alice.

Ajuda. Esta palavra, pequena, pode mudar uma vida. Mas, e quando não temos coragem de pedir ajuda, e, quando temos receio de que o outro não entenda nossa dor? O que fazemos? Continuamos calados? Desejei que a Ramona não fizesse aquilo, e pedi no meu interior, que ela ficasse ali por mais alguns minutos, se ela ficasse, talvez eu me abriria. Mas, ela se levantou e se foi.

- Ah, não se esqueça que você tem que ir ao colégio - Ramona voltou e logo se foi novamente.

Revirei os olhos, e me levantei. Não tomei banho, apenas vesti meu jeans surrado e a farda do colégio com um casaco por cima. O tempo estava frio. Saí de casa sem tomar café, sem ânimo, totalmente desmotivada. Eu não entendia o que estava acontecendo comigo, eu não sentia mais vontade de fazer nada e sempre carregava uma raiva no peito.

O colégio estava lotado, como de costume. Me sentei no fundo da sala, alguns colegas de classe me olhavam confusos, e aquilo tinha uma explicação. Eu sempre sentei no meio, e ao lado da Doris, mas, naquele dia, eu passei direto por ela sem dar um "bom dia" ou um "oi". Ela se virou para me olhar, seus olhos estavam lacrimejados, desviei o olhar da sua direção para que ela notasse a minha indiferença à ela e a todos.

O professor entrou na sala. Coloquei meus fones de ouvido, o capuz do casaco e abaixei a cabeça para dormi.

***

Alguns professores notaram o meu comportamento estranho e viam me perguntar se estava tudo bem, eu respondia que sim para alguns, e para outros, apontava a minha dor de cabeça como o real motivo para a minha estranheza.

As coisas estavam iguais em casa, meus pais faziam silêncio, e a Ramona se juntou a eles. Eu deveria estar feliz, só teria que ir ao colégio, ao curso e ao grupo do tal Jhonatas, e ninguém me incomodaria. Mas o comportamento deles estava me irritando.

- Alice - Minha mãe falou séria no almoço - O grupo é hoje, eu vou te levar lá, mas não é muito longe daqui, você pode voltar sozinha de ônibus ou a pé.

- Eu não entendo a lógica, deixar de ir para um grupo, para ir a outro. - falei soltando o garfo no prato - Não era melhor que eu ficasse no que eu já estava?

- O grupo do Jhonatas, não é um grupo cristão, é um grupo especial para você, vai te ajudar - Ramona falou sem me olhar, ela ainda estava chateada.

- Como assim? Especial para mim? - perguntei curiosa, mas ninguém respondeu - Mãe? Ramona?

- Alice, apenas coma, precisamos sair daqui a uma hora.

Voltei para minha luta com o prato, tentei colocar a comida pra dentro, mas não consegui.

Assim que terminamos o almoço, minha mãe se arrumou para o trabalho e minha irmã para ir servi na igreja. Eu não me arrumei como elas, apenas troquei de roupa mais uma vez e fiquei esperando no sofá. Não demoramos muito para sair. A viagem foi silenciosa e logo chegamos no lugar de destino. Soltei do carro ainda apreensiva com as pessoas que iria encontrar naquele grupo. Mamãe me desejou boa reunião, e me passou o número da sala: A111

O lugar era simples, uma sala em um prédio com cadeiras de plástico em círculo. O filho do pastor, Jhonatas, estava lá, eu ainda não o conhecia muito bem, ele era alto, de pele negra e olhos castanhos vivos. Notei que ele conversava com um garoto gordinho, de olhos tristes e caídos, mas, ao me aproximar, ele se virou e me encarou curioso.

- Alice? - ele falou surpreso.

Droga, ele sabia meu nome, isso só podia dizer uma coisa: ele me conhecia, comecei a ficar desconfortável com a situação.

ALICE Onde as histórias ganham vida. Descobre agora