25 - DESOLADOS

709 150 24
                                    

- Alice? - A voz continuava a me chamar cada vez mais forte e mais perto, e então, senti uma mão grossa e brusca puxando meu braço fazendo meu corpo virar involuntariamente. - Meu Deus, é você mesma!!! Está realmente viva!!

O rapaz apertava os meus braços na tentativa de descobrir se a minha pessoa era real, continuei calada, as mãos no bolso do casaco sem poder fugir, tinha acabado de ser descoberta.

- Quase não te reconheci, cortou o cabelo... está mais magra. O que aconteceu com você?

- Não te devo satisfações, Jhonnatas. - Me afastei para que ele me soltasse. Vi seu sorriso e euforia sumir, agora ele me olhava sério do lado de fora da igreja.

- Por que está fazendo a sua família sofrer tanto? Por que não foi na frente quando a Ramona te chamou no altar?

- Eu não posso, você não... não entenderia. - Segurei o choro e me virei novamente, mas continuei parada, eu só não queria que ele vise minha dor.

- Entenderia sim... É so se abrir comigo, é só me dá uma chance. - Ele me olhava profundamente como quem tentava ler minha alma, olhei para ele de volta. - Eu não vou te deixar ir antes que me diga o que está acontecendo.

- Eu preciso ir... Por favor, não conte que me viu à ninguém.

- Só com uma condição. - Respirei fundo inquieta e preocupada com o horário, balancei a cabeça e esperei que ele me fizesse sua proposta. - Prometa visitar o grupo novamente, ninguém vai saber quem você é, se for preciso, pode até mudar seu nome.

Encarei o garoto com mais atenção, eu não sabia se ele seria capaz de contar sobre mim aos meus pais, mas eu precisava garantir que tudo permanecesse como estava, em segredo. Jhonnatas me olhava esperançoso, sua pele negra e seus olhos castanhos se mesclavam com um raio de Sol.

- E se eu não for você conta tudo para a minha família, né? - Perguntei já prevendo a resposta e vi ele balançando a cabeça positivamente. - Olha, é complicado e arriscado sair de onde estou, mas... vou tentar.

Jhonnatas parecia feliz, saiu correndo de volta a igreja com um sorrisso enorme e se foi. Voltei a caminhar odiando o que eu tinha acabado de me comprometer a fazer. Mas eu precisava manter o Arthur bem, eu só não sabia se aquela era a meneira certa.

O caminho de volta foi ainda mais longo, mas chegando finalmente na toca, percebi que tudo estava nos seus conformes, até ver Paula entrar a porta do meu quarto esbaforida.

- O Max está te procurando, ele sabe que você saiu. - Ela falou respirando fundo.

- Como ele soube?? - Perguntei sentindo meu coração bater forte.

- Não sei. - Ela tirou um cigarro e o colocou na boca com suas mãos trêmulas. - Você precisa encontrar-lo, inventa uma boa desculpa, não sei... Ainda não é o fim do mundo.

Saí caminhando rápidamente pelos corredores da toca a procura do Max, mas ninguém sabia responder. Ainda não tinha ido na sala do Arthur perguntar a ele, então tentei fazer aquilo como última opções, mas... perto da entrada de sua porta, ouvir um burburinho, uma conversa vindo de dentro até que alguém tocou em meu nome.

- Aonde está Alice? - Era a voz do Max, ele parecia furioso.

- Eu não sei, deve estar em seu quarto ou no escritório. - Arthur respondeu calmo. Coloquei meu ouvido sobre a porta que estava um pouco aberta e fiquei em silêncio ali.

- Eu tinha um trato com ela, e você tinha um trato comigo... Talvez seja hora deste nosso trato ser quebrado já que ela quebrou o dela.

- Qual o seu problema com a minha namorada? - Arthur levantou a voz, era a primeira vez que o via enfrentar Max.

- Não tenho problema nenhum com ela, você que deve ter, e muitos. Ela já sabe de tudo? Ela está com você por peninha? - A voz do Max era extremamente asquerosa, a minha vontade era voar no pescoço dele e arrancar aquele veneno, mas me mantive calada fazendo um esforço para não mover uma única musculatura do meu corpo.

- Cala a boca, Max...

- Ela não sabe, né? - O líder falou mais baixo. - Quando ela souber vai te largar, com toda certeza do universo, ninguém quer ficar perto de um assasino.- Max falou despejando veneno.

- Foi um acidente!! - Ouvir Arthur gritar, sua voz tinha um misto de raiva e choro.

- O garoto que Matou os próprios pais!

- Eu não os matei por querer!!!

- Cuidado, Arthur, fala mais baixo... Alice pode ouvir. - Ouvir os passos de Max cada vez mais perto da porta, me afastei na tentativa de me esconder, mas eu estava em estado de choque. - Opa, que coisa, acho que ela escutou.

Max saiu com um sorriso no rosto deixando a porta aberta. O meu chão tinha sumido naquele momento, eu não sabia se chorava ou se corria para abraçar o Arthur, eu sabia que ele não tinha matado os pais por querer, ninguém em sã consciencia mataria os pais. Mas, não sei por qual motivo, eu não conseguia me mover, não conseguia caminhar, estava sem os comandos do meu corpo. Aquilo veio como um soco em meu estômago. Arthur tinha matado seus próprios pais, e era um assasino fugitivo, mas, apesar de tudo, eu não conseguia o julgar, não conseguia lhe apontar um dedo sequer. Eu só conseguia pensar em como ele deveria se sentir carregando aquele peso, mesmo que tivesse sido um acidente, como ele conseguia carregar a culpa. Por isso ele tinha tentado se matar treze vezes, por isso ele não tocava no assunto "família", e por isso que ele não falava do seu passado, aquilo ainda deveria doer, e talvez para sempre doesse.

Recobrei os sentidos ao ouvir um choro abafado, caminhei até a porta e olhei dentro da sala, Arthur estava sentado em um canto tentando, feito criança, secar as lágrimas que caíam sem parar.

- Oi...

- Ouviu tudo?

- Sim, me desculpa. - Falei sentando ao seu lado e segurei seu braço forte. - Você não deveria se culpar tanto, você deveria se cobrar menos, foi um acidente, não foi?

Falei tentando manter a calma, mas era quase impossível.

- Alice. - Ele falou ainda de cabeça baixa. - Você já matou seus pais? Sua irmã? Ou ao menos um primo distante?

- Não...

- Então você nunca vai poder entender, ninguém nunca irá me entender. - Ele voltou a chorar, uma lágrima também escorreu pelos meus olhos, mas me mantive firme, por ele. - Saí daqui!

- Arthur? - Estranhei sua forma fria de falar. - Eu não vou sair, quero ficar ao seu lado.

Arthur me olhou pela primeira vez, seus olhos estavam vermelhos. Ele parecia o Arthur de sempre, mas algo estava diferente agora.

- SAI AGORA! - Arthur me empurrou com força e se levantou apontando para a porta. - Saia daqui antes que eu te mate também.

Lhe encarei por um minuto, aquele não era o homem que eu conhecia, e confesso que me assustou um pouco. Levantei devagar e saí da sala aos prantos.

ALICE Onde as histórias ganham vida. Descobre agora