A "lenda" das Icamiabas

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— Eu... Não devia ter mexido nisso, desculpa — disse Núbia colocando o pano vermelho novamente sobre o teclado.

Edgar, no entanto, após o longo silêncio tentou agir de maneira natural.

— Não precisa se desculpar. Eu só fiquei um tanto... impressionado, não sabia que tocava.

Núbia se levantou, ainda meio constrangida, pois apesar da tentativa de Edgar em parecer indiferente, era notável que ver Núbia tocando aquele piano o incomodou deveras.

— Eu... Toco um pouco, fiz só um ano de aula e parei.

— Não devia ter parado — disse Edgar ainda com aquele olhar irresoluto, porém em tom sério.

— Minha tia falava o mesmo, mas... Ela estava muito doente na época e eu perdi a vontade de ir às aulas de piano, na verdade perdi a vontade de ir à qualquer lugar.

Edgar assentiu lentamente.

— Poderia ter praticado em casa, então.

Núbia soltou uma risada sádica.

— Minha tia tinha dinheiro no máximo para comprar aqueles teclados que fazem som de animais.

— Entendo — disse Edgar em um suspiro —. Bem, agora tu tem esse piano, então, por favor pratique, pois tu erraste muitas notas. Foi lamentável.

Núbia arqueou uma sobrancelha concluindo que aquele sarcasmo era prova de que Edgar havia voltado ao normal, porém demorou para que se desse conta do que ele havia dito.

— Espera. Eu posso mesmo? Tocar nesse piano? Tipo, quando eu quiser? — questionou ela, pasma.

Edgar deu de ombros.

— Esse piano é um belo objeto, que reproduz sons ainda mais belos, porém não há ninguém que o utilize há anos, o que é muito desperdício.

Núbia assentiu com um sorrisinho.

— Obrigada. Mas... Se esse piano está aqui é porque alguém tocava, certo?

— Henrique — respondeu ele sem delongas —. Seu bisavô. Ele gostava muito de música, principalmente Beethoven. Ele costumava tocar sozinho, não gostava de plateia, mas todos ouviam suas melodias pela casa e as apreciavam.

— Hum...

Os dois permaneceram em silêncio por mais longos segundos.

Núbia não sabia como agir quando o assunto eram os filhos de Edgar, temia dizer algo errado, temia deixa-lo nervoso ou até mesmo magoado, mesmo que ela não conseguisse imaginar aquele homem chorando, sabia que ele era triste, profundamente triste e não pretendia deixar aquela tristeza ainda maior.

Para sua sorte, porém, quem puxou assunto foi Edgar.

— Aliás... Lembro-me de ter prometido lhe contar sobre a mãe de meus filhos, sua tataravó.

Núbia assentiu já com os olhos atentos. Edgar então apontou com o cajado para o amontoado de caixas no canto.

— Pegue aquela caixa de madeira que está ali, abaixo da outra.

Núbia franziu os olhos, mas fez o que lhe foi pedido, caminhou até o amontoado de caixas, tirou uma grande, mas não tão pesada caixa de papelão do monte, achando logo abaixo uma caixinha de madeira que mais parecia um pequeno baú.

Núbia pegou tal com cuidado e viu que Edgar havia se sentado à mesa redonda no centro do quarto. A garota foi até ele, colocou a caixa sobre a mesa e sentou-se ao seu lado.

Folclore OcultoWhere stories live. Discover now