A Caipora

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A pensão Lobato, administrada por Cora Lobato e sua filha Madalena, era conhecida por ser uma das primeiras construções da vila Fim do Mundo e por ser também a melhor hospedagem da região o que não era grande coisa, na verdade, as hospedagens de fim do mundo e suas cidades vizinhas tinham em média três quartos pequenos e mofados, já a pensão Lobato tinha seis quartos e o fato de, diferente da concorrência, não ter ratos nem goteira, o fazia um cinco estrelas.

Ângela havia juntado uma grande quantia de dinheiro no tempo em que trabalhou no casarão, não por seu salário ser alto e sim porque seus patrões já bancavam onde dormir e comer e Ângela nunca foi vaidosa ou consumista, sendo assim, não tinha no que gastar. Logo, ao ser demitida, ela possuía dinheiro o suficiente para se hospedar na melhor pensão da região (a única não decadente, no caso).

Naquele dia ela estava em sua bela suíte da pensão Lobato, porém não se sentia nada confortável. Ângela estava sentada no chão agarrada aos próprios joelhos, encostada na parede, um pouco abaixo da janela. Ali naquele cantinho ela podia ouvir a gritaria do lado de fora e os tiros de espingarda.

A sua frente, também sentado no chão, Curupira a fitava com a lança pousada sobre o colo.

— Vai ficar encolhida aí até quando? — perguntou ele, impaciente.

Ângela agarrou mais forte as próprias pernas, ficando em posição fetal.

— Até decidir o que fazer... Sim, tenho que fazer algo — disse ela em seu sussurro amedrontado

— Não, não tem. Isso não é problema seu, Karaíba Porã — disse Curupira.

Karaíba Porã era o apelido em tupi que Curupira deu a Ângela há anos, mas ela nunca soube o significado.

— Eu trabalhei muitos anos no casarão, muito e muitos anos, tem haver sim comigo — insistiu Ângela.

Ela enfim se levantou e olhou com seus olhos esbugalhados o que acontecia lá fora. Puxou só um pouco a cortina e foi o suficiente para ver pessoas armadas com todo tipo de coisa, desde facões e enxadas até pistolas e revólveres, todos marchando em direção à estrada de terra que levava ao casarão.

— Então, o que está vendo? — perguntou Curupira em tom baixo.

— Estão todos armados, indo em direção ao sítio Cabrall! — respondeu Ângela roendo as unhas.

Curupira deixou escapar sua risada maléfica.

— Há, Edgar tá fudido.

Ângela deixou a janela de lado e correu para o telefone acima do criado mudo.

— Preciso avisar o senhor Edgar, para ele se preparar.

O humor de Curupira se extinguiu, ele foi como um raio ao lado de Ângela e pegou o telefone da mão dela, o que a fez dar um gritinho de susto.

— Não! Deixa o Edgar ser pego de surpresa — ele sorriu monstruosamente —. Vai ser mais divertido.

Ângela fez cara brava e pegou o telefone de volta.

— Não, não, não! Não vai ser divertido não. Edgar é mau, mas o conheço há muito tempo, eu também vou ser má se não avisá-lo.

— E daí?

— Não quero ser má! E Núbia também corre perigo, corre perigo sim!

Curupira cruzou os braços.

— Ela correria perigo mesmo se a vila não quisesse matar os Cabrall.

— Do que está falando? — perguntou Ângela, já com medo da resposta.

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