Sagacidade de Iara

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Diante a escuridão da noite o quintal do casarão era iluminado somente pela luz da lua cheia, que diferente das estrelas não se deixava ser omitida pelas nuvens. O vento frio soprava com maldade, ainda sim, Cícero permanecia ali parado, no relento, observando a janela do quarto de Núbia.

Inicialmente ele havia observado na mata o casarão por uma hora inteira, até todas as luzes se apagarem. O do quarto de Núbia apagou primeiro, Cissa concluiu assim que ela sequer havia jantado, devia estar destruída e ter como único desejo se desligar do mundo.

Após alguns minutos de escuridão e silêncio, Cissa achou enfim ser seguro se aproximar e foi então que se posicionou abaixo da janela do quarto de Núbia e ali ficou refletindo sobre a semana que passou com a Cabrall, sobre os seis meses que havia morado em fim do mundo e estudado Edgar e sobre os seis anos vividos no século XXI. Cícero estava exausto de se torturar, já pensava em dar meia volta e despedir-se de sua cabana quando ouviu passos vindos do outro canto da casa, da entrada. Seu primeiro pensamento foi correr para mata, mas já era tarde e num susto se deparou com Iara de camisola longa e pés descalços.

Cissa observou aquela mulher, que ele já sabia bem, ser tão perigosa quanto o marido, e sentiu um calafrio de medo lhe percorrer o corpo, porém soube omitir esse temor e agir naturalmente.

— Acabou o cárcere?

— Enfim — respondeu Iara com humor —. Sem querer parecer óbvia, mas o que exatamente está fazendo rondeando minha casa?

Cissa deu de ombros.

— Só vim... Dar uma última olhada.

Iara olhou para ele e para janela do quarto de Núbia.

— E imagino que não seja na casa.

Cissa baixou o olhar, mas não precisava sequer responder.

— Eu já estou indo embora, você e seu marido não vão precisar mais se preocupar comigo, nem com meu coleguinha — disse ele apontando para própria cabeça, referindo-se ao Saci trancado nele.

Iara franziu os olhos verdes que pareciam ficar mais radiantes na luz do luar e Cissa imediatamente desviou o olhar presando pela própria segurança.

— Como assim "vai embora"? Vai desistir do seu plano e de Núbia assim tão fácil? — indignou ela, o que pegou Cissa de surpresa.

— Hum... Sim. Núbia me mandou embora e eu quero provar que não sou um possessivo impertinente como o Saci. Se isso a faz se sentir melhor eu vou me afastar.

Iara fez cara feia, mas Cissa não viu, pois prosseguia de olhar baixo.

— Olhe para mim e me diga que gosta de verdade dela — ordenou Iara, mas Cissa permaneceu de olhar baixo.

— Eu gosto, quem sabe até a ame.

Iara levantou uma sobrancelha

— Acho que é muito cedo para dizer que a ama, meu caro, e de tempo eu entendo. Hey, Porque está evitando me olhar?

— Porque eu não sou burro — disse como se fosse óbvio. — Eu estudei bastante sobre você, sei que pode manipular alguém só com o olhar e eu definitivamente não estou a fim de morrer afogado.

Iara riu e começou a se aproximar

— Morrer afogado? — Ela colocou a mão no rosto de Cícero —. É isso que você acha que eu faço? — ela se aproximou e sussurrou no ouvido dele — Eu faço coisa bem pior.

Cissa fechou os olhos sentindo imensa vontade de olha-la e tentou pensar em Núbia para afastar o encanto da Iara, o que felizmente estava funcionando.

Folclore OcultoWhere stories live. Discover now