Capítulo 52 - Remanejamento

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– É claro que não, ela é estrangeira – o russo murmurou por fim, entredentes, com o olhar nos camaradas por cima da minha cabeça. – Só conheço de vista.

Ele silenciou um segundo, e concluiu, incomodado:

– Somos ligados à mesma agência.

Antes que eu pudesse perguntar que agência era essa, ouvi a voz de Erna Gruber vindo da cozinha:

– ...a Camarada Stuart sabe preparar arroz ao modo dos brasileiros. É muito bom. Onde está ela? Camarada Anita?! – ela chamou, mais alto.

Opa, tinham dado pela minha falta. Corri para me juntar às camaradas. Uma coisa que eu gostava sobre nosso pequeno grupo é que estávamos em igualdade numérica entre homens e mulheres. Exceto por Miranda e Martins, que andavam tanto juntos que pareciam um casal, mas pelo que eu sabia eles gostavam de mulher. Martins até já fora casado, e Miranda estava enrabichado por uma moça de São Paulo. De qualquer forma, eles eram do Partido. O resto de nós fora enviado pelo Komintern para o Rio de Janeiro sempre em pares, para possibilitar o disfarce mais conveniente. Intencional ou não, o fato era que a Revolução no Brasil seria implantada por um grupo misto,

Erna estava parada junto à panela de arroz, com uma cara levemente perdida, e me lançou um olhar e um sorriso meio que pedindo socorro quando entrei. Eu logo assumi o posto dela, que me entregou o avental que usava e a colher de pau, murmurando um agastado:

– Sempre preferi cozinhar batatas – que me fez rir.

Eu também não era a campeã da cozinha, mas consegui detectar de primeira o que ela tinha feito de errado: colocara o arroz na panela direto com a água, sem fritar no tempero antes, para só então refogar, que era o que deixava o arroz soltinho.

Segundo minha mãe, pelo menos.

Bem, ainda dava para consertar, e eu escorri a água na pia para reiniciar o processo, enquanto escutava a conversa das camaradas,

– Eu me ofereceria, mas não gosto do modo chinês de preparação, e é o único que eu sei – Sabo desculpou-se, ainda se referindo ao arroz.

– Dizem que lá não tem muita variedade de comida, é verdade? – Alphonsine perguntou, apoiando o cotovelo no balcão e o queixo na mão.

Sabo fez uma careta, e encolheu os ombros.

– Para mim era o bastante, eu não tenho frescura com isso. Sabe como é, pra quem cresceu sem ter certeza se todos os dias teria alguma coisa para comer...

– Ah sim, sem dúvida. Mas eu reparei que aqui tem muito mais variedade de verduras, legumes e principalmente frutas do que na Alemanha – Erna interpôs. – Algumas frutas são tão bonitas; toda semana vou à feira só para olhar, e ainda não aprendi o nome de um quinto delas.

– E as que a gente conhece, não se encontra – pontuou Sabo, com um sorriso. – Por isso é interessante viajar.

Manga – Olga pronunciou, de repente. – Vocês já comeram? – perguntou, dirigindo-se às colegas estrangeiras. – Como é?

– É boa, mas não gosto muito de comer – a mulher de Altobelli, Carmen, respondeu, em tom neutro. – É saborosa, mas um monte de fiapos ficam presos nos dentes para o resto do dia. Por quê?

– O Camarada Luís Carlos disse que eu ia gostar – explicou a recém-chegada, com um pequeno sorriso distraído. – Na verdade ele fez uma lista enorme de comidas que eu gostaria, se empolgava muito falando das coisas do Brasil... mas só consigo lembrar dessa, porque achei engraçado o nome ser o mesmo de um pedaço da roupa.

Dias VermelhosWhere stories live. Discover now