Capítulo 49 - Tarde Explosiva

Start from the beginning
                                    

– Eu fiz algumas lá na cozinha de casa mesmo, mas não sei se estão funcionando bem – o austríaco disse, antes de pegar uma das granadas.

A fim de experimentá-la, acendeu-a e colocou numa fratura da rocha, ordenando que nos afastássemos, o que nós fizemos. Ela explodiu bem.

Acenando em aprovação, ele tomou um tubo cheio da mistura que tinha inventado, uma mecha, e deu os objetos para que Martins testasse. Pelo que eu sabia, Martins estava ali por ordem de Miranda, para ver se os recursos do Partido, despendidos nos treinamentos, estavam sendo bem empregados, então era natural que Gruber quisesse que ele fizesse alguns testes pessoalmente.

Martins acendeu a mecha, e a garrafa com a mistura também causou uma pequena explosão. Então Gruber pegou outro cartucho de dinamite e colocou junto dele um vidro com a mecha-detonadora, incendiando-a. Em vez de explodir, a dinamite só pegou fogo, e se pôs a queimar vivamente.

– Argh! – o rosto do austríaco contorceu-se em irritação, e ele deixou escapar uma torrente de pragas em alemão que nenhum de nós fazia questão de entender. – Essa porcaria... não é forte o bastante para explodir. Vou ter que tentar mudar as doses.

Ainda irritado, ele se dirigiu à mesa de pedra, e, com seu lenço, limpou-a vigorosamente. Desembrulhou os vidros e as bolsas com açúcar, cloreto de potássio e fósforo vermelho, que tínhamos trazido, e alinhou organizadamente a um canto da mesa. Ele se curvou para trabalhar, mas então ergueu o rosto e viu Astrakhanov parado perto da entrada, onde tinha permanecido o tempo todo, pois a caverna não era muito alta, e até Gruber e Martins tinham que ficar meio encolhidos dentro dela.

– Camarada Stuart, quer fazer o favor de sair da frente? – pediu, rispidamente. Eu juro que se ele conhecesse o ditado "carne de burro não é transparente", teria adicionado também. – Está tapando a minha luz. Vou misturar tudo errado aqui.

O pobre tenente ficou até atordoado com aquela bronca repentina. Colocou o rabinho entre as pernas e foi descendo para a praia. Achei que Gruber não tinha direito de tratar ele assim só porque estava frustrado com os próprios erros de cálculo, e, em solidariedade ao meu falso marido, declarei, com muita dignidade:

– Camarada Gruber, eu vou descer também, para não atrapalhá-lo. Depois que acertar a fórmula, nos chame para aprendê-la.

– Isso, isso, ótimo – ele resmungou, sem prestar a mínima atenção em mim, já concentrado nos ingredientes.

Olhei com ar indignado para Romero, mas ele apenas encolheu os ombros, como quem diz que não pode fazer nada. Martins andava lá pelos fundos da caverna, e não se dispôs a nos defender do mau-humor do colega, então eu girei nos calcanhares e voltei sobre meus próprios passos pela escadinha de pedra, atrás de Astrakhanov.

Ora, onde já se viu, só porque ele era o especialista, ficava se dando ares? Pois era bom que aprendesse a tratar as pessoas direito, ou não estaria a apto a viver numa sociedade comunista.

Civilidade é fundamental num regime baseado na igualdade.

Resmungando mentalmente, pousei na areia. Astrakhanov assentara-se perto do mar, não o bastante para que a água alcançasse seus pés descalços – ele removera os sapatos e o paletó, que estavam num bolinho ao lado – porém o suficiente para que a brisa marinha aliviasse o calor que, mesmo em abril, continuava a nos fustigar.

Eu cheguei de mansinho, mas não o assustei.

– Te expulsou também? – ele perguntou, sem se virar.

– Hm-hm – eu neguei, e sentei na areia à sua esquerda, um pouco recuada. – Deixa ele terminar o que está fazendo e passar o nervoso que voltamos para lá.

Dias VermelhosWhere stories live. Discover now