Ajoelhado no solo imundo e com as mãos e pés atados nas costas, Marko experimentou uma sensação estranhamente familiar, para a qual não sabia o nome, de já ter vivido aquela mesma situação.
– Você me ensinou uma coisa, nagô. – Ouvir a voz arrastada de Henrik deixava os pelos de Marko eriçados de ódio. – Se pretende prender alguém, nunca esqueça de amarrar seus pés.
Dessa vez, Filip se encontrava a seu lado, igualmente imobilizado. A gangue de Henrik os encurralava, armados com facas e pedaços de pau, suas sombras dançando ao redor dos dois. Não havia uma escapatória óbvia.
– Você acha que estamos sozinhos aqui? Renda-se agora e será mais fácil. Em questão de instantes vocês estarão cercados – disse Marko, usando a única arma que tinha disponível. – Achei que fosse mais inteligente que isso, Henrik. Quer dizer... não, não achei. Você é burro pra cacete mesmo.
– Dessa vez não vou cair nas suas mentiras, nagô. – Henrik rodeava os dois presos, esfregando as mãos de maneira odiosa. – Me digam, o que fazem nesse fim de mundo? Deve haver algo de valor aqui para atrair a atenção de duas pessoas tão peculiares.
– Já dissemos – disse Filip, mantendo a calma. – Estamos passando algumas noites na aldeia.
– Acham que sou idiota? Se A Sombra de Vasgrad está implicado, então deve haver alguma injustiça aqui, e isso normalmente significa alguém rico envolvido. Falando nisso, cadê os moradores desse lugar miserável?
– Vá à merda, Henrik – disse-lhe Marko.
– Fique quieto, garoto, antes que eu perca a paciência e resolva calar sua boca de uma vez por todas. Não se preocupe, será uma morte rápida, não quero sujar minhas mãos com sangue nagô. – Henrik soltou uma gargalhada e seus capangas riram em seguida.
– Lá vem eles – disse um dos homens de Henrik.
Trajando mantas brancas sobre os ombros, um grupo de aldeões, liderado por Teodor, descia a encosta. O líder foi o primeiro a perceber que havia algo de errado, e tomou a dianteira.
Era como se duas lembranças se conectassem numa união às avessas.
– Qual o significado disso? – perguntou Teodor, mancando em direção aos dois viajantes rendidos.
– Não se aproxime demais, velhote. – Henrik ostentou sua faca na direção de Teodor. – Ou vou manchar sua bela praça de sangue.
Aquela ameaça fez Teodor deter sua caminhada. Marko pensou ter visto hesitação em seus olhos por um instante.
– Quem são vocês e o que querem com a gente?
– Apenas todo o dinheiro que tiverem, alguns suprimentos e coisas de valor. O de sempre. – Henrik exibiu os dentes desalinhados.
– Vão embora. Não temos nada valioso – disse Teodor.
– Vou ter que discordar, velhote. Qualquer coisa tem valor para homens famintos como nós. Comida, aguardente... – Ele lambeu os beiços. – Mulheres.
Marko havia desistido de tentar se soltar. Filip, por outro lado, esfregava as mãos desesperadamente, mas sem sucesso.
– Deixe-os em paz, seu problema é conosco – Filip chamou a atenção de volta para si.
– O destino de vocês já está decidido, moleques. No momento estou interessado no que esses aí têm a oferecer.
Henrik se aproximou dos aldeões acuados ao fundo. Alguns dos homens tentaram impedi-los, mas ele os ameaçou com a faca. Caminhou por entre as pessoas, sempre com aquele riso detestável no rosto, e passou a uma braça de distância de Magda, despindo-a com os olhos.

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Réquiem para a Liberdade
FantasyMarko é um ex-escravo liberto que vaga pelo reino em busca de respostas para uma maldição que o assola. Quando ele se aproxima de uma vila de pescadores dominada por um tirano, ele terá que escolher ignorar ou proteger um povo cujo sofrimento se ass...