CONFISSÃO #17: É SEMPRE BOM CONTAR COM QUEM AMAMOS

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PARTE 42 - SORODISCORDANTES

Numa coisa eu estava tranquilo. Teoricamente não precisava mais conhecer alguém e entrar em pânico para contar sobre minha sorologia. Agora, quando alguém se aproximasse por meio dos aplicativos tipo Grindr, Scruff e Hornet já saberia tudo de antemão. Mas até para mim foi um pouco entranho quando poucos dias depois da minha atualização de status recebi uma mensagem de um rapaz.

Eu sabia que ele estava solteiro faz pouco tempo e seu ex-namorado também era soropositivo. Mas não sabia nada sobre ele. Como tinha sido a primeira pessoa que me chamou após eu abrir sobre minha sorologia eu perguntei: "você leu bem o meu perfil?". Ele respondeu que sim, e ainda reafirmou o que eu já sabia sobre seu relacionamento anterior, assim como confirmou que não se importava com isso, mesmo não sendo portador do HIV.

Então conversamos alguns dias até que finalmente um dia saímos para conversar. Conversamos apenas. Fomos realmente ficar quase uma semana depois. Numa esquina, se escondendo de olhares. Foi divertido. E assim seguimos, por quase um mês. Saímos juntos, festas, restaurantes, dormir de conchinha... Essa coisas que eu achei que jamais teria com um sorodiscordante.

Ele me buscava na academia, ia até minha casa... Eu posava com ele quando ele ficava só. Mas um dia terminamos. Por algum motivo ele não quis mais. Eu fiquei um pouco chateado, mesmo não estando 100% contente de como estávamos nos últimos dias. Pensava que seria quase impossível achar outro cara que não fosse portador e aceitasse a situação assim, tranquilamente.

Mas eu fiquei ainda mais chateado na semana seguinte, quando descobri que ele também era soropositivo. Fiquei decepcionado por ter sido tão aberto e transparente e ele ter escondido sua sorologia de mim. Nem sei se ele sabe que eu descobri que ele também é portador como eu, que já faz o tratamento e tudo mais. Fiquei um pouco frustrado por ter percebido que ele só se aproximou por ser soropositivo também.... Logo toda aquela fé em um relacionamento sorodiscordante se desmanchou. Era mentira. O motivo dele ter escondido de mim enquanto fui tão aberto? Não sei, de repente as pessoas estão tão acostumadas com mentiras que a verdade não parece mais ser necessária. Uma pena.

PARTE 43 - DINDA

Eu tinha já na minha cabeça que no momento que abri sobre minha sorologia no meio LGBT, seria um passo para começar a respingar entre héteros. Logo, não seria difícil chegar na minha família. Então chegava o momento de eu contar para pessoas que considero importantes e precisavam saber, por mim primeiro.

Eu não tenho mais minhas madrinhas. Um faleceu quando eu tinha 2 anos e a outra quando eu tinha 4. Ambas eram irmãs, tias de minha mãe, e tombaram após uma luta contra o câncer. Sei que eram ótimas pessoas, mas com o tempo, sentindo a falta de uma dinda, eu me apropriei de outra.

Minha irmã tem uma madrinha que eu sou apaixonado, irmã de minha mãe. Não demorou muito para eu pegar ela como minha dinda também. É a dinda que eu escolhi, não desmerecendo as outras que a vida me tirou.

Com todo o respeito e admiração que tenho por ela, ela teria que ser a próxima que eu queria abrir sobre minha sorologia. Pelo fato de eu achar que ela merecia saber, por saber que ela gosta muito de mim e por saber que ela ficaria muito triste se soubesse por outros.

Em um belo domingo, minha irmã, minha sobrinha, nossa dinda e eu saímos para passear pela praça da cidade. Nisso o assunto chegou. Ela percebeu que eu parecia cansado ultimamente. Com muito sono. Ela estava presente diversas vezes que eu estava medicado. Ela deu a deixa. Então eu contei. "Mimoso! Pobrezinho, está doente". Eu a acalmei, falei sobre meu tratamento, que estava cancelando algumas turmas de Bike Indoor, que meus exames estavam ótimos. Ela tentou me confortar. "Hoje em dia não é nada grave", disse.

Eu fiquei tranquilo, senti ela tranquila também. Achei que tinha sido mais fácil do que eu imaginava. Quando estávamos voltando pra casa, eu seguiria para outro lado. Uma amiga nos encontrou na esquina e ficou conversando com minha irmã. Nesse momento, minha dinda ficou parada me olhando fixo. Sua boca começou a temer e ela me abraçou chorando. "Mimoso, tu tem que te cuidar, tu trabalha muito". Confesso que me assustei um pouco na hora. Nunca tinha visto ela chorando em toda minha vida.

Foientão que eu percebi que não seria assim tão fácil contar para minha família.Por um lado é confortante a preocupação. Sabemos que sentem essa tristeza poramor. Por outro lado não gostamos de ver pessoas que amamos chorando. Aindamais por nossa culpa. Ela ficou praticamente uma semana me ligando umas duasvezes por dia, perguntando como eu estava, mandando mensagens. Acho que agoraele viu que está tudo caminhando para um tratamento de sucesso e não fica maistão preocupada. Linda. Não é por acaso que eu amo ela muito. ,

* Sorodiscordante - Se diz sorodiscordante quando existe um relacionamento entre uma pessoa portadora de HIV e uma pessoa que não é portadora do vírus.

HIV/AIDS - Confissões de um soropositivoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora