35● A hora chegou

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Tem coisas que não podemos evitar, das quais simplesmente é impossível fugir, por isso continuamos impassíveis e aceitamos, a hora chega e não há pra onde correr.

Rafael

Eu poderia ficar parado em frente ao espelho durante o dia todo, poderia encarar meu próprio reflexo incansavelmente e lembrar do quanto costumava me gabar por atrair tantas garotas, porém nada nunca foi eterno, nada jamais duraria para sempre, e a beleza era uma dessas coisas.

Eu estava no minino um trapo, destroçado por causa da drogas constantes ainda por cima com a cara arrebentada por causa do dia anterior, mas não tinha mais como esperar, não tinha como adiar, era apenas fisionomia e sinceramente a mudança não me feriria tanto quanto minha seção de tortufa diária, aliás, valia tudo pela vida.

Passei a mão entre os fios negros do meu cabelo e senti uma pontada no coração, alguns fios caíram e eu respirei fundo mais infeliz do que um dia já tinha estado, era difícil achar uma brecha para a felicidade quando não se podia ao menos ter controle sob o próprio corpo.

Arrastei a cadeira da escrivaninha até em frente a um grande espelho e peguei a maquininha que estava na gaveta do criado mudo, sabia que não conseguiria fazer aquilo sozinho, minhas mãos tremiam até mesmo ao pensar em ligar o aparelho:

- Ick!- o gritei, ele com certeza era a única pessoa naquela casa que poderia me ajudar- Icaroooooo!

- O que foi?- perguntou escandalosamente .

- Vem aqui no quarto.

Ele não respondeu, mas em segundos estava adentrando meu quarto e me olhando de um jeito estranho, talvez tentando assimilar toda a cena:

- O que foi?- perguntou novamente.

- Me ajuda com uma coisa?

- Se ta planejando se matar, com certeza não.- falou apressado levantando as mãos em rendição- Recomendo uma clínica psiquiátrica.

- Idiota. -praguejei- Ajuda ou não?

- Com o que?

Não respondi, apenas levantei a mão deixando evidente o aparelho  esperando que ele entendesse o recado, e eu soube que entendeu no instante em que seus olhos se arregalaram:

- Tá brincando ne?

- Com certeza não- afirmei.

- Não vou me sentir muito bem fazendo isso.

- Você não tem que se sentir bem, eu sim.

- E você vai se sentir bem fazendo isso?- revidou me deixando sem alternativas senão dizer a verdade.

- Claro que não, mas não é questão de escolha. Só me ajuda com isso ok? - Insisti e ele ficou bons cinco minutos me olhando sem saber o que dizer - Eu não consigo fazer isso sozinho Ick.

- Ta legal, me dá essa porcaria.- nervoso ele pegou o aparelho enquanto eu voltava a encarar o espelho e sentir novamente uma vertigem incomum pelo que estava prestes a acontecer- vou começar- avisou no instante em que um som irritante tomou o ambiente.

Ele abaixou minha cabeça e começou a deslizar a maquininha pela minha nuca, não senti nada a princípio e tentei desviar o olhar de eu mesmo, mas havia algo perturbador ali, o silêncio só me deixava mais melancólico e a beira da tristeza absoluta:

- Ick?

- O que foi? Desistiu?- perguntou esperançoso.

- Não, mas por favor faz alguma piada, me insulta ou joga na minha cara que me tornei um lixo! Vou acabar chorando se continuar com esse maldito silencio- falei irritado e ele me encarou pelo espelho com os olhos arregalados- ok?

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