Capítulo 42 - Naturalização

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– Primo John... quanto tempo... foi o advogado quem o enviou para cá?

– O sócio minoritário – tornou Astrakhanov, completando a senha, e o gerente acenou brevemente em aprovação.

– Excelente, excelente... eu mesmo estava pensando em procurá-lo... mas vamos subir, conversar num local mais reservado – ele disse, pegando uma chave no quadro atrás do balcão de madeira clara. Acenou para que eu os acompanhasse também, e determinou que o carregador trouxesse nossas malas para o quarto 203-A. O mocinho empilhou as duas bagagens no carrinho e adentrou o elevador gradeado, enquanto nós seguíamos o gerente pelas escadas de largura média até o segundo andar.

Quando chegamos ao quarto, o gerente colou o ouvido à porta pelo lado de dentro, esperou se afastar o som dos passos do carregador, abafados pelo tapete do corredor, e chaveou a fechadura. Após hesitar um momento com ar pensativo, dirigiu-se aos abajures e levantou suas copas, checando as lâmpadas, e olhou mais um ou dois cantos do recinto, só voltando para nós quando pareceu satisfeito com os resultados da sua investigação.

– Tivemos clientes comuns hospedados aqui por último, e eu não cheguei a verificar o quarto quando saíram... Nunca se sabe se não há um policial por trás de uma aparência ordinária, não é mesmo? – ele ergueu as sobrancelhas de maneira simpática, o que devia ser o seu equivalente para um sorriso. Lançando mais um olhar em volta, concluiu: — Bem, vamos ao que interessa. Seus documentos atuais – pediu, estendendo a mão.

Eu tirei do bolso interno meu passaporte em nome de Elizavieta Shedritcheva e o entreguei. Astrakhanov também deu seu passaporte, os restos das nossas passagens, e o que eu creio que fosse a certidão de casamento entre eu e ele. O gerente – que não era ninguém senão o representante local do OMS – checou atentamente os documentos, rasgando-os em vários pedaços.

Entregou os caquinhos a Astrakhanov.

– Eu vou mandar acender a lareira, vocês queimem isso – ele determinou, indicando os documentos rasgados. – E queimem tudo que possa conectá-los com a Maison – complementou.

Maison – casa, em francês – era o código para Moscou. Em Londres, estávamos no seio do inimigo; as paredes tinham ouvidos, e bocas que narravam tudo à contraespionagem britânica. Era preciso usar os códigos mesmo dentro do próprio quarto.

– Acredito que conheçam o itinerário, não? – perguntou o inglês. – O de vocês é bem simples. Londres – Rio de Janeiro, não estão previstas escalas, mas se ocorrer alguma emergencial, vocês, a priori, não devem desembarcar – e acrescentou o nome do navio que nos levaria para o Brasil, o endereço da pensão em que devíamos nos hospedar, a senha e o nome de nosso contato no Rio: Harry Berger.

O gerente, então, enfiou a mão no próprio bolso, tirando de lá um envelope. Puxou de dentro dele um par de folhas, que colocou sobre a cômoda, conjurando em seguida uma caneta e estendendo-a para nós. Astrakhanov pegou primeiro, e subscreveu um dos papéis. Ele me entregou a caneta, e, por sua vez, recebeu do gerente o envelope, checando o conteúdo enquanto eu me debruçava sobre minha própria folha. Li seu texto atentamente:

Recebi itinerário explicado para mim. Fico obrigado(a) a:

1. em qualquer situação, não informar qual a organização que concedeu o documento de viagem;

2. imediatamente ao chegar, não mais tarde que a primeira manhã, entregar o passaporte para o representante do OMS, e até meu encontro com ele e a entrega desse documento não entrar em contato com qualquer aparelho conspirativo no local;

3. no caso de empreender viagem ao exterior com tal passaporte, avisar o representante do OMS;

4. não residir com esse passaporte sem consentimento do representante do OMS;

Dias VermelhosWhere stories live. Discover now