Capítulo 37 - A Curto Prazo

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E ele explicou. Essa aliança basicamente consistia de uma espécie de união espontânea de intelectuais e militares cujo centro da existência girava no combate ao fascismo. Sim – afirmou Miranda – devíamos o surgimento de um grupo possivelmente aliado à estupidez recalcitrante dos Integralistas.

Possivelmente aliado, você diz? – notou Jaime.

– Sim... Eu até acrescentaria provavelmente, porque estão discutindo incluir a reforma agrária e a nacionalização das empresas estrangeiras na pauta oficial da organização.

– Quer dizer que eles não estão públicos ainda?

– Mais ou menos – Bangu interveio, se aproximando. Ele também tinha um sotaque do nordeste, mas não baiano. Não identifiquei de onde. – Mas estamos bem informados sobre as pautas porque alguns dos nossos participaram das reuniões. E eles estão bem otimistas.

Quer dizer que o Komintern estava otimista porque os nossos líderes estavam otimistas porque alguns comunistas anônimos estavam otimistas com o sucesso de uma organização que existia "mais ou menos".

Se isso não era esperança, eu não sabia por que nome chamar.

Nos sentamos com Miranda por mais um tempo. Ele nos contou das mudanças na estrutura do Partido, os novos líderes, novos quadros, dentre eles a filiação de Prestes, que fora finalmente deferida. Contou de um tal Alonso, um alemão aventureiro enviado pelo Komintern ao Rio logo após a nossa saída para botar ordem nas coisas. Parece que toda a reformulação dos quadros de liderança se devia parcialmente a ele.

– Mas ele não é universalmente amado – comentou, contando de uma rusga pessoal de Alonso com um figurão do Partido Comunista Argentino.

Quando a conversa começou a descambar para esse nível das fofocas, eu passei a insistir com os colegas para irmos embora. Afinal, eu tinha mais o que fazer na escola. Meia-hora lendo teoria certamente me prepararia melhor para uma futura revolução do que as intrigas dos meus líderes.

– Camarada Liza, não está empolgada? – perguntou Jaime, reparando no meu silêncio no caminho de volta, enquanto eles discutiam as impressões da conversa. Eu, que caminhava um pouco a frente, me virei para olhar os outros.

– Vocês estão? – questionei, com ceticismo pingando da voz.

– Talvez haja alguma coisa ali... – José Maria respondeu, hesitante.

– Pois a mim parece é que Miranda tem delírio de grandeza – eu respondi. – Exagerou a importância dessa aliança nacional qualquer coisa, exagerou nos relatórios que forneceu para os graúdos da Internacional, isso se não exagerou também nas proporções desse tal encontro. Pode ser que tenham mandado aí o terceiro tesoureiro para falar com ele, e ele já saiu dizendo que se encontrou com o próprio Manuilski.

– Não, essa parte é verdade – Silo contradisse, em tom grave.

– Como você sabe? – duvidou Jaime. – Você não estava lá.

– Não estava, mas tenho fontes que confirmam.

E se calou. Por mais que os rapazes tentassem, não conseguiram arrancar dele a identidade das tais fontes misteriosas. Se um dia eu participasse de um levante, queria trabalhar com Silo, pois pelo jeito os inimigos não arrancariam meu nome da boca dele nem sob tortura.

Sobre a possível proximidade da Revolução Brasileira, eu não sabia o que pensar. No fundo, acho que não queria que fosse verdade. Eu quero dizer, será que ela não podia esperar mais um pouquinho? Mais um ou dois anos, talvez? Tinha esperado tanto, podia ter acontecido em 1926, em 1930, por que resolvia vir logo agora que meu pedido de permanência para estudos na União Soviética estava para ser analisado?

Dias VermelhosWhere stories live. Discover now