– Ah... Claro, posso falar com a Lucia e a Sveta. Sei que a Lucia não perderia uma festa... – eu ri.
– Ah, aquela menina – Pavel riu também, ao lembrar de seu único encontro com minha elétrica amiga, ainda no ano anterior. – Acho que ela vai conseguir manter minha tia bem ocupada.
– Ela arranja ocupação para três tias, se for necessário – eu arregalei os olhos, e prolonguei as risadas, já pensando em como eu mesma me arranjaria para comparecer ao evento.
Hoje era dia de aulas, e essa escapada na hora do almoço só tinha sido possível porque planejada com antecedência. Escolhi um café relativamente perto da ELI, mas não perto o bastante para que fossemos vistos lá. Claro que Astrakhanov sabia dos meus planos, porque né, ele lia as cartas, mas eu agi com naturalidade e ele também não tocou no assunto. Se viesse me dizer alguma coisa, eu ainda pediria para ele me dar cobertura.
Peguei minha pasta. Era hora de partir. Chamei o garçom. Ele pôs a conta sobre a mesa, e estendi minha mão para o papel, mas Pasha colocou a sua em cima da minha, me impedindo de pegar o recibo.
– Vamos dividir, Pasha – falei. Ele meneou negativamente a cabeça, com ar severo. Abri a boca para discordar, mas não queria discutir por uma coisa boba. Se ele precisava daquilo para reafirmar sua masculinidade, vá lá.
A mão dele permaneceu distraidamente em cima da minha, e minha pouca vontade de ir para a aula foi completamente drenada. A música que soara no plano de fundo de minha mente durante todo o almoço impulsionou-se para o primeiro plano, enquanto aqueles olhos cinzentos perfuravam meu rosto. O coração acelerou e as palavras, a pergunta fatal, se apressou para a minha garganta.
– Já? – o garçom perguntou.
Por que você teve que voltar tão rápido, homem?
A magia se desfez, a mão de Pavel deixou a minha, para remexer os bolsos atrás da carteira, e eu me levantei. Não podia mais adiar a partida.
"De noite você terá oportunidade", eu tentei me tranquilizar, enquanto seguia meu caminho. "Será até melhor; agora você já está atrasada. Teria que sair correndo para não perder a aula, e nem poderia aproveitar a resposta".
Eu cheguei ao prédio principal da escola.
"Se bem que, dependendo da resposta, o jeito vai ser sair correndo, mesmo".
Teríamos uma palestra no auditório, naquela tarde, e pelo som que provinha de lá, eu podia ouvir que meus colegas já estavam todos em seus lugares. Na antessala, só a costumeira recepcionista, mais interessada na sua revista do que no que estava acontecendo ao redor. A verdade é que não tinha muito trabalho para uma recepcionista em uma escola secreta.
Olhei para o balcão onde ela estava, e uma ideia me ocorreu.
– Posso usar o telefone, por um momento? – pedi, com o ar mais ingênuo que consegui. – Esqueci meu guarda-chuva na fábrica em que eu trabalho anteontem, e com o tempo do jeito que está... Queria ligar para alguma das colegas pegar para mim.
A mulher me examinou um instante, e depois me entregou o fone.
– Só que ninguém vai poder entregar aqui – ela avisou.
– Sim, claro. Combino de pegar na casa dela – garanti. Acenando em aprovação, a recepcionista voltou a se sentar e folhear seu periódico.
A telefonista demorou uns minutinhos, mas enfim conseguiu me colocar em contato com o Complexo Têxtil de Orekhovo-Zuevo. Nem lembro qual foi a desculpa que eu dei para chamarem Lucia.
– Alô, Liza? – ela atendeu, provavelmente tão espantada quanto eu, quando recebi a ligação de Pasha. – Aconteceu alguma coisa? – adicionou, preocupada.
YOU ARE READING
Dias Vermelhos
Historical FictionEm 1933, o mundo estava como o conhecemos hoje: politicamente dividido, flagelado por guerras e recuperando-se de uma crise econômica sem precedentes. Os ânimos estavam inflamados ao ponto da selvageria. Maria Clara logo escolheu seu lado...
Capítulo 34 - O padre providencial
Start from the beginning