Capítulo 26 - O Trio de Estilo Musical Indefinido

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– É, não podia – ele balbuciou, com os olhos fixos na parede, e o rosto ainda púrpura, movendo o pincel mecanicamente. – São bonitas, sim. Cuidado para não estragar – e, pegando sua lata de tinta, ele se apressou em direção à parede dos fundos, ficando de costas para mim.

Enfiei o braço na boca, para abafar o som da gargalhada. Pelo jeito ele aprendera a lição. Peguei meu próprio baldinho e voltei a subir a escada. Sério, qual o problema com os homens? E o que há de sensual em um par de calças? Certo, contornam um pouco mais do que as saias, mas, honestamente, eram tão mais confortáveis para o dia a dia. Se as mulheres tivessem sorte, no futuro poderiam usar calças livremente, sem ninguém ficar encarando. Devíamos incluir isso como uma das pautas do comunismo.

Entre divagações pontuadas por conversas e traços de tinta, a tarde terminou. As nossas sombras já estavam longas graças ao sol que declinava pela janela, e recolhíamos os utensílios de trabalho, quando um tropel de passos se fez ouvir na escada que levava ao andar superior.

Logo em seguida, os causadores desse tropel invadiram o cômodo em que estávamos, e, para minha surpresa, eram apenas dois. Eles foram direto para Pavel, cada um agarrando-o por um braço.

– Vamos, vamos, vamos! Seis horas! – apressou o menor, magriço, loiro e prematuramente careca. – Já chega de construir, ou, no nosso caso, pintar o socialismo por hoje.

– Eles não vão te pagar mais pelo acabamento uniforme – complementou o outro, um grandalhão barbudo que poderia jogar Pavel em cima do ombro e carregá-lo, se quisesse, pois tinha três vezes a largura dele.

– Se acalmem, os dois! – gritou Pavel, fincando os calcanhares no chão para impedir que os recém-chegados o arrastassem. – Temos que juntar as tralhas ainda – olhando para mim, que observava a cena meio escondida atrás da escada de mão, ele apresentou, apontando primeiro para o baixinho – Esses são Pétia e Kólia.

Os dois se voltaram para mim ao mesmo tempo, me examinando com as sobrancelhas erguidas.

– Pessoal, essa é a... – e Pavel me lançou um olhar inquisitivo, sem saber com qual das identidades eu queria ser apresentada.

– Masha – eu completei, adiantando-me para o mais baixinho e estendendo-lhe a mão. Achei que era mais provável que eu os encontrasse novamente na casa de Pavel do que no mesmo contexto que os meus colegas da ELI, para quem eu era Liza.

– Muito prazer, Masha – o louro disse, respondendo a meu cumprimento. – Ele nos falou sobre você – contou, e senti minhas sobrancelhas se erguerem. – Mas pela sua cara de pavor, acredito que esse ingrato não fez a via contrária e não falou de nós para você.

– Ele mencionou sim – eu contradisse, rapidamente. – Só não estava associando os nomes aos rostos.

– É porque eu descrevi vocês como "meus amigos músicos", e não como os dois doidos que me pentelham todos os dias – ironizou Pavel, tampando a última lata de tinta.

– Oh, estamos tocados! – exclamou o baixinho, juntando as mãos sobre o coração.

– Vocês também estavam pintando o prédio? – eu perguntei. Pétia acenou que sim. – Por que não vieram trabalhar nesse apartamento aqui? Em quatro nós já teríamos terminado o andar.

– Porque seu amigo Pasha é um solitário – o outro retrucou, num vozeirão que correspondia bem ao seu tamanho. – Ele não gosta quando a gente fica por perto – adicionou, virando o rosto para o lado em um modo ofendido cômico.

– Não é verdade, é que vocês são muito taga...

E ele pensa que não pintamos tão bem quanto ele – cortou Pétia.

Dias VermelhosWhere stories live. Discover now