– Não. Você só tem uma mamãe. Ela chama toda mulher de "mamãe" – acrescentou, para mim. – Essa não é a mamãe – repetiu, para a menininha.
Bem, eu poderia ser. Não mãe dela, claro, mas poderia bem ter uma filha de três ou quatro aninhos, se tivesse me casado cedo, como todas as minhas colegas. E Pavel também poderia já ser pai a essa altura. Um bom pai, provavelmente, pelo carinho com que tratava a irmãzinha.
Observei-o brincar com ela, amaldiçoando a ternura que começava a encher todas as minhas veias. Isso lá era hora de despertar o sentimento maternal? Logo após o pequeno balde de água fria do dia anterior? Suspirei profundamente, ainda mergulhada na observação, o que me fez levar um susto ao ouvir a voz de Anna Anatolievna.
– Ah, vocês acordaram – a mulher estava na porta, já de avental e colher de pau na mão. – Resolvi deixar dormirem mais um pouco, porque ontem foi um dia puxado, mas já estava vindo chamá-los, caso contrário você vai perder a hora, filho. Masha, você quer ir se arrumar primeiro? O banheiro é no fim do corredor.
Peguei algumas coisas na minha mala e segui na direção indicada. Os azulejos que revestiam o pequeno recinto eram impecavelmente limpos, e uma cortina turquesa separava a parte com a banheira e uma ducha da metade do banheiro ocupada pelo sanitário e pela pia, sobre a qual pendia um espelhinho de moldura cor de laranja. Eu estava terminando de ajeitar o cabelo, ficando na ponta do pé para me enxergar nesse espelho, quando ouvi rumores do lado de fora.
– Quem é que está aí? Que eternidade! Há outras pessoas que querem usar.
– Você está de pé desde as cinco horas da manhã, Yulia Mikhailovna, podia ter ocupado o banheiro à vontade – ouviu-se a réplica azeda de Anna Anatolievna.
– Como se já não tivesse gente o suficiente aqui para você ainda ficar trazendo estranhos – a vizinha retrucou.
– Acho bom você ir se acostumando com essa ideia, Yulia, porque qualquer dia desses Pasha vai acabar se casando, e vai ter outra família vivendo aqui, sim.
"Será que ela está contando comigo para isso?", especulei, interessada. Yulia Mikhailovna, por outro lado, soltou uma gargalhada.
– Ah sim, a esperança é a última que morre – zombou. – É bom que você tenha uma filha pequena, porque os netos vão demorar. Seu filho é esquisito, Anna Anatolievna, aceite. Ninguém vai querer ele. Vai acontecer que nem da última vez.
Eu queria muito saber o que tinha acontecido "da última vez" e que última vez fora essa, mas já tinha permanecido tempo demais no banheiro.
– Ah! Dobre a língua antes de falar do Pasha, isso é puro despeito porque ele não quis namorar aquela lambisgoia da sua irmã e...
– A minha irmã...
– Bom dia.
Isso fui eu, saindo do banheiro. E também foi Pavel, aparecendo na outra ponta do corredor. As duas mulheres que discutiam trocaram um último olhar de "Isso não acabou" e se calaram, cada uma com mais ar de dignidade.
– Yulia Mikhailovna, se importa se eu passar na sua frente? – Pavel pediu, tranquilo. – Estou com o tempo um pouco apertado para chegar no trabalho.
Ela acenou em direção ao banheiro, sem olhar para Pavel, e ele se trancou lá, lançando-me um pequeno sorriso divertido ao passar por mim.
– Vamos, Mashenka, antes que o chá esfrie – e eu segui Anna Anatolievna, embora soubesse que o chá não poderia ficar mais frio que o tom dela, enquanto ela jogava o pano de prato sobre o ombro e um último olhar para a oponente, abandonando o corredor.
YOU ARE READING
Dias Vermelhos
Historical FictionEm 1933, o mundo estava como o conhecemos hoje: politicamente dividido, flagelado por guerras e recuperando-se de uma crise econômica sem precedentes. Os ânimos estavam inflamados ao ponto da selvageria. Maria Clara logo escolheu seu lado...
Capítulo 25 - Departamento de Fiscalização
Start from the beginning