Dr. Antônio me indica o caminho e vamos ver o meu pai. Quando entramos na sala, uma enfermeira está trocando seu soro. Meu pai está sentado na cama vestindo uma bata branca do hospital. Ele continua magro e abatido, mas seu rosto parece mais corado.

— Bom dia Sr. Luiz Augusto. – o médico fala.

— Bom dia, que surpresa boa, visitas logo no comecinho da manhã. – meu pai fala sorrindo pra mim, que permaneço calado ao lado do médico. Como ele pode fingir que é um bom pai e nada aconteceu entre nós? Sinto nojo dessa situação toda. Volto a olhar em outras direções para evitar olhar em seus olhos azuis me encarando.

— Temos boas notícias Sr. Augusto, Gustavo vai fazer o teste e pedir para seus outros filhos também fazerem. Logo, logo o senhor poderá ir pra casa.

A enfermeira termina seu procedimento e sorri para nós quando sai da sala.

— Assim que tivermos quaisquer notícias, vamos lhe explicar o procedimento do transplante Sr. Augusto. Agora se está tudo bem por aqui, me deem licença que vou visitar outros pacientes. Volto mais tarde. – o médico pisca pra mim e sai da sala deixando meu pai me encarando com os olhos cheios de lágrimas.

— Filho, você voltou? - meu pai pergunta apreensivo.

— Você não tem o direito de me chamar de assim, mas vou responder a sua pergunta. Sim, eu voltei. – respondo como se uma lâmina estivesse cravada na minha garganta. Mas me esforço em ser educado — O senhor está se sentindo melhor?

— Sim, agora que você está aqui, tive medo que você não voltasse. - meu pai fala e depois tosse, cobrindo a boca com a mão magra cheia de marcas de perfurações de agulhas. O bíceps tem veias saltadas e salientes sobre a pele. Não são veias normais, mais veias atrofiadas onde imagine que seja feita a hemodiálise. 

— Só estou fazendo o que minha consciência manda. Não significa que esqueci o passado, muito menos o que você fez. – alerto-o irritado.

— Sinto muito Guto, eu tive minhas razões para ter ido embora.

— Ah teve? E quais são? Posso saber?

— Infelizmente você não entenderia.

— Eu tenho minhas razões para não esquecer o que o senhor nos fez. Agora, corta esse papo de merda... Não estou fazendo isso para lhe salvar, e sim porque não viveria sabendo que tenho a vida de alguém em minhas mãos, mesmo que seja a vida de alguém como você. – cuspo as palavras sentindo o amargor na boca.

— Errei no passado filho, sinto muito. Nunca conseguirei lhe explicar o porque fui embora. Não queria voltar dessa maneira pra sua vida, nem queria lhe ferir tanto mexendo no passado.

— Quando o passado bate a sua porta, você só precisa decidir se vai abri-la. Eu tomei minha decisão. Farei isso, mas não por você. – termino de falar e saio do quarto. 

O destino muda seus planos pelo simples prazer de desenterrar seu passado e acordar os velhos fantasmas que te assombram. E ele fez um bom trabalho, reabriu a ferida que me fez sangrar por longos anos. Meus olhos queimam das lágrimas não derramadas. Volto para meu carro e deixo toda a mágoa me levar. Choro por todas as dúvidas e incertezas em que me encontro, estou cogitando doar meu rim para um cara que nunca amou ninguém. Bato diversas vezes contra o volante, saio dirigindo pelas ruas de São Paulo sem saber para onde ir, encosto o carro em um parque, pego meus fones e desço do carro batendo a porta, precisava descontar minha raiva em alguém.

Tento pensar em outras coisas mais importantes para tirar minha cabeça daquele quarto de hospital. Resolvo ligar para a transportadora pra saber quando Rose estará em casa, preciso fazer alguns reparos e voltar a treinar para a próxima competição, preciso focar minha cabeça no que é mais importante pra mim, minha carreira e agora em Liz.

Só de lembrar-me dela meu peito se enche de otimismo e esperança, preciso tê-la ao meu lado, não sei se conseguiria me afastar dela agora. Liz é como o fogo que aquece tudo que se aproxima, e eu que pensei que meu coração gelado nunca bateria por alguém. Ela aqueceu a minha alma e me faz querer mais da vida, enxergar um futuro ao lado de alguém.

Sento em um banquinho, conecto o meu fone de ouvido no celular e seleciono minha playlist do Pearl Jam, fico ali olhando as crianças correndo, as pessoas se exercitando, cachorros brincando ao sol com seus donos. Fecho os olhos e começo a aproveitar o calor agradável da manhã. Depois de um bom tempo colocando meus pensamentos no lugar, sinto meu celular vibrando no bolso.

Oi, só queria saber o que anda fazendo, ainda pelo centro? Sua Liz.

É uma mensagem da minha garota, meu coração acelera e meu pau desperta dentro da cueca.

Ainda no centro, vim dá um tempo no Ibirapuera. Seu Motoqueiro

Aguardo uma mensagem de resposta. Liz envia uma selfie comendo um sanduíche natural e fazendo careta com a seguinte legenda: Comendo rapidinho para meu chefe não comer meu fígado, ele está em um dia ruim...

Sorrio para a tela do celular, pelo seu bom humor e seu jeito sapeca de menina. Liz está tão mais leve e desarmada do que o primeiro momento que nos conhecemos.

Se tivesse me avisado, tinha passado aí para almoçarmos juntos. Me apresenta esse cara para eu quebrar a cara dele. Já com saudades. G.

Aguardo ansioso a resposta como um adolescente.

Quebrar caras não será necessário, você poderá vir me buscar?

Lógico, mesmo que você não quisesse! - digo em pensamento e envio uma mensagem mais simples.

Sim, qual o horário você me quer aí? - pergunto.

Ás 17:00, agora deixa eu ir. Bj Liz



Azul Profundo ( Livro 1 Série Cores) SEM REVISÃOWhere stories live. Discover now