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Rio de Janeiro

- Finalmente estamos em casa, filho. 

- Pois é. Ele me respondeu desanimado, e caminhando para o corredor.

- Não está feliz?

- Me deixa, mãe.

Segundos depois a porta de seu quarto bateu. Joguei-me no sofá e respirei fundo, mas nada tirava aquela agonia do meu peito. Sabia que não demoraria muito para que o João soubesse de nossa partida e eu teria mais um problema para lidar.

O Heitor ficou revoltado quando descobriu, já a caminho do aeroporto que voltaríamos para casa. Você já imagina como seria a reação dele, no fim ele me obedeceu como sempre, mas ainda doí muito o fato de ele ter me dito: "eu te odeio". Sabia que aquilo foi reflexo da raiva, contudo eu temia que ele realmente me odiasse quando soubesse quem é o seu pai.

Já era noite quando Hugo chegou, seu rosto abatido e corpo seu agora mais magro eram a prova da dor que ele sentia, então soube que logo ficaria assim também. Nós conversamos, não muito, pois ele não quis, e eu respeito seu sofrimento e lhe dei espaço.

Na manhã seguinte, enquanto tomávamos café em um silêncio ensurdecedor, Hugo me entregou um envelope.

- O que é isso? Perguntei sem entender.

- Você saberá quando ler.

- Mas...

- Sem mas. Me perdoe não ter feito isso antes. 

- Não estou te entendo.

- Logo entenderá. Me encontre no escritório quando terminar de ler tudo. Ele disse, e me deixou sozinha na bancada da cozinha.

Abri o envelope e retirei seu conteúdo, muitos papéis e um envelope para carta, seguindo a minha intuição deixei-a por último.

Analisando os papéis descobri que o apartamento em que eu morava, e que eu sempre pensei ser do Hugo, na verdade era meu. Além disso, encontrei um extrato de uma conta bancária em meu nome, com um valor exorbitante; e mais duas escrituras de imóveis na zona sul do Rio. Na  hora soube que isso era coisa do meu pai, mas por quê? Não entendia, ele me deserdou, não foi? Ele me abandonou assim como a minha mãe. Não entendo. Foi então que revi a carta. 

Filha querida,

Ainda não consigo perder o hábito de escrever cartas, dentre os seus irmãos, você é a única que sempre apreciou essa minha mania. Talvez seja por gostar tanto de ler quanto eu. 

Primeiro, florzinha, me perdoe. Sei que deveria ser mais forte por você, por nós, mas não sou.

Mel, tenho muitos defeitos, e o pior deles é ser fraco com relação a sua mãe, todavia, minha filha, sou de um tempo em que divórcio era repugnante. Aprendi que devemos tentar sempre e nunca perder as esperanças. Por vezes quase desisti de sua mãe, mas nunca pude, porque ela me deu você e seus irmãos, que são o melhor de mim. 

Durante todos esses anos tentei me reaproximar de você, só que você nunca deixou, e eu te respeito, meu amor. Por isso, fiquei sempre nos bastidores de sua vida. Nunca vou me perdoar por te fazer sofrer, se eu não estivesse fora naquele tempo nada disso teria acontecido. Entretanto, eu estava trabalhando, como sempre. 

Agora vejo como o trabalho me tirou tanta coisa, me tirou seus primeiros passos e os de seus irmãos, me tirou muitas oportunidades de criar lembranças felizes com a minha família. Perdoe-me por ter sido tão cego. Perdoa seu pai, que buscou dar a vocês todo o conforto financeiro, mas abriu mão do mais importante, que é: estar presente. 

Ironias do DesejoWhere stories live. Discover now