III.IX. Sob o brilho prateado

10.9K 889 108
                                    

por Haruno Sakura...

Prendi o lençol debaixo dos braços, minhas costas sentiram por completo o frio da parede, mas não me importei.

– Quando vai partir? – questionei, muito baixo.

Sasuke não respondeu de imediato. Olhou-me da soleira da varanda, sentado com os joelhos semi flexionados e o braço sobre eles. A lua, no pico mais alto, banhava metade do seu corpo. Vestia apenas uma calça.

Admiraria o belo quadro de sua postura desleixada e minha se algo não estivesse ficando cada vez mais gelado e pequeno dentro de mim. Cheguei a me perguntar o porquê de querer tanto uma confirmação verbal das minhas suspeitas tão certas. A verdade era que ambos sabíamos que aquele momento, mais cedo ou mais tarde, chegaria. Nós só decidimos ignorar, achando que causaria um impacto menor.

Sasuke podia ficar, mas ainda não para sempre.

Tolos...

– O mais cedo possível – respondeu por fim, desviando o olhar para além da varanda, para os muros com o símbolo do clã. A indiferença resistindo firme na sua face.

Engoli em seco, apoiando a cabeça na parede, fitando o teto sem realmente vê-lo. Estaríamos no escuro, não fosse o brilho prateado da luz do sol a refletir no satélite lá em cima. Era como se a melancolia transbordasse para além de nós. Como se os ares entendessem nosso dilema.

– Por quê?

– Estive me escondendo ao máximo, mas os boatos de que o Uchiha regressou ganharam forças nos últimos dias. A vila está em risco... Você...

– Não preciso da sua proteção.

– Sei que não. Mas certamente precisa de paz. Quanto menos gente lá fora conhecê-la como minha esposa, melhor...

Sabia que ele estava tão descontente quanto eu, sabia que não podia ser egoísta e colocar todos em risco, sabia que o que quer que ele tivesse que fazer para nos manter seguros era necessário. No entanto, nada disso ajudava a aliviar a dor no meu coração. Achei que a realidade nunca bateria em nossa porta, mas lá estava ela, pertinente.

Como ele disse, Sasuke retornara para a vila, mas evitava ao máximo que essa informação fosse para além dos portões de Konoha, fazia isso tão bem que eu quase me esqueci dessa necessidade. Sua herança era o desejo de muitos. Enquanto vivesse, o seu poder seria cobiçado. O fato de terem me usado, ou tentado, para capturá-lo era outra prova que preferimos simplesmente deixar de lado. Mas tudo sempre tem um limite. Não se tratava mais de uma pessoa, mas de milhares. Todas inocentes.

– A guerra acabou, mas ainda existe maldade...

– E os seus olhos.

– Sim. Há momentos em que preferiria nem mesmo os ter.

Suspirei. O cansaço da semana inteira deslizou pesadamente no ar.

– Não achei que fosse acabar tão cedo...

Cedi ao peso das pálpebras, mas não a vontade de chorar. Curiosamente, ela era mínima, ainda que estivesse lá. Uma brisa gélida atravessou o quatro e minhas pernas, mal protegidas pelo lençol, arrepiaram-se um pouco. Trouxe-as juntas contra o peito, abraçando-as por debaixo dos joelhos. Minha cabeça ainda estava contra a parede, o queixo erguido para o teto.

– Há algo mais que eu deva saber? – questionei. Meu corpo estava tão frio, embora nenhuma única célula estivesse mais tremendo por ele. E pensar que há um par de horas, sentia como se minha pele queimasse como o próprio magma. – Quer dizer, você não vai simplesmente partir sem rumo, vai?

– Alguns assuntos me incomodam desde a guerra, Kaguya nos deixou muitas incógnitas... As criptografias indicam atividades perigosas e que ainda estão longe do nosso conhecimento, vou apagar essas faíscas antes que possam sequer pensar na possibilidade de um incêndio.

Certo. Aquela era a sentença. Não poderia reclamar de finalmente ouvi-la. Afinal, eu a procurei.

Pus-me de pé simplesmente. Não me importei com cobertores, os que me cobriam caíram na cama, tão frios quanto minha pele. Ignorei o olhar dele sobre mim, ignorei sua confusão, ignorei e ignorei... Ou tentei.

Mas não podia fingir que a inflamação, a inquietação e o rasgo dentro do meu peito não existiam. Ele estava indo e isso era tudo. Não importava mais quando eu o veria de novo, quantos anos mais se passariam... Era tudo uma brincadeira de casinha afinal, é claro que não podia durar.

Não estava o culpando, acho que não era culpa de ninguém. Eu só me odiava por acreditar que podíamos ter uma vida comum, sem que o fardo de ser um shinobi caísse sobre nossas cabeças. Eram pensamentos horríveis, cruéis e egoístas, mas eu não poderia evita-los por ora, embora tão pouco os quisesse.

Acontecia que eu tinha o direito do luto. Paguei com o coração pelo pacote completo, então que o sentisse em cada canto do meu corpo.

Segui para o banheiro e a última coisa que ouvi antes de deslizar a porta com força atrás de mim foi o suspiro pesaroso e cansando de Sasuke.

Não fui forte o suficiente ao me deparar comigo mesma.

A madeira tremeu com o impacto, lascando em diversas sentidos. Ao observar as fissuras pelo espelho bem a minha frente, o meu corpo em dado momento finalmente tremeu. Não pude evitar, antes que eu pudesse me dar conta, meu punho atravessou o vidro, de modo que até a parede atrás dele foi perfurada.

O choro ecoou pela pequena instalação e eu baixei a cabeça, deixei que o cabelo cobrisse toda minha desgraça do reflexo despedaçado. Fiz menção de socar o espelho mais uma vez, ou melhor, o lugar aonde ele ficava, mas meu pulso foi parado no meio do caminho. O braço de Sasuke seguia o meu, sua mão cobria a minha.

– Já chega – foi tudo o que disse, baixando-a e alcançando a outra afim de tira-la do buraco que abriu.

Seu corpo estava contra minhas costas, apoiando-as quando as mesmas não mais podiam.

Sasuke me guiou até a banheira, pondo-me lá para então enche-la de água quente. Em algum momento ele limpou os pequenos rasgos do meu punho, mas a verdade é que desde que me pus de pé sobre nossa cama, as coisas tinham perdido o foco, tão pouco faziam diferença. Era como está e não está acordada. Nem mesmo sentia a dor dos cortes, ainda que uma outra me sufocasse por dentro.

Ele empurrou um pouco minhas costas do apoio da banheira e se encaixou atrás de mim. Acho que nem mesmo tirou a calça moletom que passara a usar para dormir ao entrar na água. Guiou minha nuca para que esta descansasse em seu ombro. Achou uma esponja e começou a me banhar. Com zelo, devoção, carinho e silêncio.

Veio-me a cabeça um vulto de uma realidade aonde ele era o curador e seu templo era eu... quis sorrir com isso, mas não o fiz.

Eu sentia tudo, mas era incapaz de reagir. Estava tão sem forças... Me mexer não valia o esforço. Também senti as lágrimas depois de um tempo e ouvi de mim soluços cansados e doloridos.

Não queria chorar, tão pouco mágoa-lo ainda mais com a minha dor. Mas meu corpo não me obedecia, parecia longe demais de mim ainda que tão perto.

– Não seja tão irritante – ele sussurrou suave sobre meu ouvido enquanto ensaboava meus braços.

Não respondi. Não queria. Não podia.

A água envolveu nós dois até o pescoço e Sasuke parou tudo o que fazia.

Eu lembro do silêncio daquilo tudo. Lembro de cada coisa que foi dita enquanto o gotejar da banheira era o único som a soar naquele modesto banheiro. Lembro de cada promessa, de cada devoção muda. Lembro de todo o amor.

Lembro da verdade selada naquele momento, quando Sasuke fez-me olhar para ele com a pota do dedo indicador sob meu queixo e me beijou por fim.

Lábios molhados, mornos e doloridos... Os lábios dele, que eram tão meus.

Decisões (SasuSaku)Onde histórias criam vida. Descubra agora