Capítulo 2: Porcos

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Ela bate na porta de vidro com um dos dedos e espera, temerosa. De sua testa escorria uma gota de suor, mas seu semblante estava concentrado, não queria demonstrar que estava tão tensa que seus dentes estavam prestes a quebrar.

Um rapaz de terno abriu a porta, parecia se tratar de algum cliente importante. Ele saiu de maleta na mão e apertava a mão de alguém, que Sidney conhecia bem: era seu chefe. O homem chacoalhava a mão do homem de terno de uma forma que quase lhe arrancara o braço, Sidney viu a cena com um certo desconforto. Ela odiava todos aqueles comprimentos corporativos.

"Aposto que vão finalizar com um tapinha nas costas" pensou ela, revirando os olhos.

Trocaram algumas palavras na porta e depois se despediram. Sidney observava tudo um pouco afastada, e soltou um sorriso satisfeito ao ver os já esperados "tapinhas".

Quando o homem finalmente se foi, ela apertou o passo para segurar a porta com um dos pés e entrar no campo de visão de seu supervisor.

--Bo-boa tarde!-Balbuciou ela, mas logo pigarreou e concertou o comprimento- Boa Tarde Sr.Neiman.

--Hmm? Olá! Alguma divergência de fatura?-Logo indagou, sentando na enorme cadeira de couro macio.

Era um homem alto, aparentava ser de meia idade. Cabelos brancos num corte militar, vestido de social, com uma gravata azul marinho no pescoço.

--Não! Eu apenas vim para nossa reunião.

--Reunião? Não me lembro de ter marcado reunião alguma.-Falou o homem, digitando no teclado do notebook, sem nem olhar para garota.

--Nós conversamos...na mesinha do café. Você disse que estava disposto a conversar neste horário.-Disse ela, acanhada.

--Oh! Claro! Sente-se por favor-Exclamou Sr. Neiman, com um sorriso amigável.-Não me lembro de ter marcado com você, que cabeça a minha! Esquecer de uma moça tão bonita.

--Ah! ah! Obrigado...-Disse ela, se sentando, cruzando as pernas desnudas e ajeitando a saia social.

--Então...

--Okay! I want to talk about...

--Oh! Hahaha! Vejo que você esta aproveitando o curso de inglês. Bom trabalho!-Brincou ele, forjando uma cara de surpresa.

Sidney não entendeu muito bem, somente disfarçou com uma risada.

--Você disse que faríamos uma entrevista em inglês, aquele dia...

--Eu digo muitas coisas, menina! Não leve em consideração, provavelmente estava brincando com você.

Ela não pôde esconder a frustração. Havia treinado a pronuncia a semana toda, somente para aquele dia, e saber que não passava de brincadeira de chefe, fez seu sangue subir.

--Eu entendo...mas sobre a vaga de vendas, eu estou muito interessada!-Começou Sidney tentando relevar o constrangimento anterior.

Enquanto falava, o homem saiu da cadeira, e veio em direção a garota, se sentando na ponta da mesa, com um sorriso bobo no rosto, balançando a cabeça em concordância com o que ela dizia. Sidney o observou com estranheza, mas prosseguia falando.

--E como você sabe, estou aqui a certo tempo e sei que me qualifico nesta área, sei até um pouco de estratégias de vendas! Fiz um curso não muito tempo atrás e...-Ela parou por um instante, não porque havia perdido o raciocínio, mas por que o chefe não olhava em seus olhos, mas sim, um pouco abaixo de seu pescoço.

Sidney estava muito bem acostumada com aquele tipo de coisa, os meninos sempre foram atraídos por seu busto avantajado, mas não esperava que um homem daquele porte faria isso e sem a menor discrição.

Ela já havia entrado na sala do Sr. Neiman antes, e na grande maioria, ele nem sequer lhe olhava nos olhos. Mas Sidney sempre encarou o recinto; e o que mais lhe chamava a atenção era a mesa do chefe: repleto de fotos de sua família: filhos e mulher. Pensar em sua atitude, naquele momento, lhe deu nojo.

--Continue falando, estou te ouvindo.-Disse ele, gesticulando com as mãos.

--Certo...

--Olha, Ripley...-Ele interrompeu.

--É Sidney, Senhor.

--Sim, claro. Olha, eu sinto em te dizer, mas nós já arrumamos alguém para esta vaga, querida.

A notícia deu um frio em sua espinha e fez toda sua determinação e postura irem por água abaixo.

--Eu...entendo...

Não teve tempo nem de formular uma frase, quando a caneta que estava na mão do homem caiu no carpete. Ela logo se prontificou a pega-la, mas o chefe insistiu em apanhar o objeto.

Ele se agachou no chão, apanhou a caneta, olhou fundo nos olhos verdes de Sidney, se levantou lentamente e com uma mão segurando a caneta, apoiou a outra na perna da mulher deslizando o dedo até sua coxa.

--Mas não se preocupe, querida. Posso dar a você uma vantagem especial.-Sussurrou o homem.

Sidney afastou as pernas num reflexo. Não faria sentido tentar explicar o que ela pensou naquele momento, pois em sua cabeça ela não queria acreditar no que acabara de acontecer.

O que posso dizer é que a garota logo se levantou da cadeira, ainda encarando o homem. Quis dizer todos os palavrões que vinham em sua mente, quis desferir um chute certeiro em seu saco e gritar histericamente para que toda a empresa escutasse. Mas sabia que não ia adiantar, sabia que apenas seria mandada embora sem direito algum, e completamente "queimada". Preferiu apenas se afastar e sair da sala, sem dizer nada.

--Qual o problema, querida?-Indagou ele, como se nada houvesse acontecido.

--Eu...preciso ir pra casa...s-são cinco horas já.-Balbuciou ela, saindo da sala.

Enquanto caminhava, praticamente correndo, pôde ouvir a voz do cretino que acabara de acedia-la: " podemos conversar outra hora!".

Se um dia ela voltasse a entrar naquela sala, saberia que seria armada até os dentes.

Na volta pra casa enfrentou um transito infernal, acompanhado de muita chuva. Do caminho do carro até subir em sua torre, que levava ao seu apartamento, conseguiu a proeza de ficar encharcada, já que havia esquecido o guarda chuva em casa.

Abriu a porta, tirou os sapatos molhados, largou a bolsa na escrivaninha e já foi retirando toda a roupa grudada no corpo. Calada. Não se importou que o carpete havia molhado no processo, na verdade não se importava com o apartamento antigo e escuro que morava-embora fosse bem organizado e limpo, pra alguém que mal tem tempo de respirar.

Pegou a toalha da cabeceira da cama, se dirigiu ao banheiro, descalça. Lá se despiu por completo e abrindo o chuveiro, deixou que a água quente limpasse tudo que havia passado o dia todo. Mas foi inevitável: chorou o banho inteiro, daqueles calados e penosos, que te fazem escorregar pela parede fria até o chão do box. Portanto, permaneceu ali, em posição fetal, até que tudo fosse lançado fora.

Naquela noite, ao se deitar, deixou a janela aberta, de forma que a brisa balançava as persianas. Aquele foi seu momento de reflexão, seu relatório final e a contabilização de tudo que lhe vinha ocorrendo. Quando voltou a se lembrar do chefe, tudo que pode pensar foi em raiva e ódio, pois não era assim que queria ser lembrada, não era daquela forma que queria ser tratada por ninguém, e com certeza, não era aquele o caminho que queria para sua vida.

--Porco! Ele é um maldito porco...todos eles são!

Essa foi a ultima ação antes de pegar no sono.

Por falar em dormir, naquela noite Sidney teve um sonho bizarro: sonhou que estava no escritório e se dirigia diretamente a sala de seu chefe. Com um soco poderoso ela estilhaçou a porta-Coisas de sonho, você sabe...- Teve coragem de olhar o homem nos olhos e chama-lo de porco, assim como tinha dito antes de adormecer. Em poucos segundos o homem se transformou instantaneamente em um suíno roliço e asqueroso, que fez a garota gargalhar de satisfação.

Mas amanhã, sua realidade voltaria a ser a mesma de sempre. Infelizmente ela não poderia realizar tudo que pensava, tudo que sonhava e desejava...pelos menos era o que Sidney pensava.

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