Capítulo 1: Sidney

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 Ela respira fundo, ajeita a gola da camisa grudada de suor no pescoço, enquanto monta um sorriso ensaiado no rosto, gesticulando algumas palavras. Ela se põem em postura e lança um olhar confiante para o nada.

--Hi! My name is Sidney, and I work at Exx corporation...Droga!

Ela lança o sorriso novamente, tentado esquecer a frustração por não saber pronunciar as palavras propriamente e tenta outra vez:

--Hi! My name is...my name is Sidney and...MAS QUE MERDA!

No banheiro, uma mulher retocava a maquiagem, enquanto ouvia, desconcertada, no box ao lado os ataques de histeria de Sidney. Ficou olhando intrigada, pelo reflexo do espelho o scarpin vermelho vinho se mover freneticamente pela fresta da porta. Logo levou um susto que lhe fez borrar o rosto de batom, quando a garota abriu a porta de uma vez, andando com passos firmes até a torneira ao seu lado. Sidney carregava a bolsa bege por de baixo do braço, enquanto procurava alguma coisa dentro dela, quando finalmente encontrou –Um estojo de maquiagem velho e surrado—logo pegou o pó e começou a passar no rosto brilhante de suor.

Não havia percebido que havia alguém do seu lado, observando com um olhar de estranheza toda sua ação desenfreada; mas viu de quanto de olho a careta que a mulher fazia.

--Bom dia!—Disse Sidney, quebrando o gelo, com um sorriso nervoso no rosto.

A mulher nada respondeu, apenas guardou os apetrechos e foi logo em direção a saída, com uma postura pomposa e nariz empinado, deixando apenas o cheiro de perfume barato.

--Bitch!—Vociferou a garota.

Ela ameaçou passar mais um pouco de pó, quando parou no meio do processo, se deparando com seu reflexo. Não era apenas encarar o espelho, era encarar a si mesma, e isso a incomodava. Não que fosse feia, muito pelo contrário: era bonita o suficiente para fazer qualquer mulher invejar seu corpo, seu rosto simétrico e os belos olhos verdes, mas isso não lhe importava mais. A beleza que apresentava por fora não se equilibrava com a frustração que era sua vida e também não era argumento válido para nada.

Ela suspirou e olhou fundo em seus olhos, ameaçando dizer alguma frase de encorajamento a si mesma, mas só pôde balançar a cabeça em reprovação. Não existia nada mais determinante do que o próprio julgamento.

Ao abrir a porta do banheiro, deixou entrar uma enxurrada de vozes e gritos que vinham do enorme escritório fiscal. Eram pessoas gritando ao telefone, andando de um lado ao outro com pilhas de documentos em mãos, impressoras vomitando papel, dedos dedilhando teclados de computador num ritmo frenético, sempre acompanhados de cliques intermináveis no mouse, telefones tocando, telefones desligando, secretária eletrônica, máquinas de café...era a sinfonia de uma grande companhia multinacional, um som que fazia sua cabeça entrar em parafusos e desejar estar amarrada entre os trilhos de um trem-bala.

Foi com passos firmes em direção a sua baia, seu local de trabalho e recinto oficial de suas maiores dores de cabeça. Apoiou a cabeça com as mãos na têmpora, olhando em direção ao teclado de teclas gastas. Virou os olhos pro lado esquerdo, seu telefone piscava uma luzinha que indicava que haviam ligações perdidas, mas não deu muita importância. Pegou a garrafa de água encostada próxima à xícara de café, pensou por alguns instantes e decidiu que café seria a melhor opção. Tomou goles severos, como se botasse pra dentro uma bebida forte. Ao abaixar a xícara, se deparou com um rosto familiar logo à frente.

--Amiga! Já são quatro e quinze, quando é que vai tomar coragem?!—Disse a moça, com uma voz esganiçada e fina. Estava com o queixo apoiado na divisória que separava as duas baias.

--Estava retocando a maquiagem...—Falou sem lhe olhar nos olhos, enquanto ligava novamente o computador.

--Se quiser fazer isso hoje, tem de ser agora! Você sabe que o chefe sempre está de bom humor nas sextas...não vai querer esperar até segunda, vai?

Ela suspirou, parou de teclar e olhou no relógio do computador: já eram quatro e dezesseis, e Sidney havia marcado uma breve reunião com o chefe. Seria hoje o dia em que pediria uma promoção.

Já trabalhava a cerca de dois anos e meio na Exx Corporation, departamento fiscal que terceirizava serviços para grandes empresas ao redor do globo, um trabalho que lhe deixava tão feliz e realizada quanto uma unha encravada em um sapato apertado; mas era tudo o que tinha, era tudo que lhe restara. Uma herança dos tempos de escola, quando zoava as garotas "nerds" e estudiosas, dos vestidinhos curtos para atrair os boleiros da sala e do completo desinteresse em estudar. Esse era o tipo de serviço que lhe restou. Mas não me leve a mal, Sidney teve amigas que se portavam da mesma forma como ela, afinal, garotas assim nunca andam sozinha, mas mesmo assim, elas não tiveram o mesmo destino que o dela: algumas se casaram com homens ricos e influentes, outras simplesmente tomaram jeito na vida depois da faculdade e algumas poucas conseguiram empregos melhores que ela.

O problema de Sidney é que ela sempre levou a vida nas costas da fortuna da família, mas num belo dia, seu pai havia levado um golpe, e todos perderam praticamente tudo o que tinham. Ela teve de aprender cedo a se virar sozinha: não fez faculdade pois não tinha como ser bancada pelos pais, que tinham de economizar até em balas—E passar em uma faculdade pública estava fora de cogitação— teve de aprender a ser mais humilde com as pessoas ao seu redor, afinal iria precisar muito do tipo de pessoa que sempre menosprezou na escola; e teve de estudar, fazendo poucos cursos que cabiam em sua renda, que por sorte lhe deram uma cadeira na Exx.

--Seja lá o que tiver de acontecer...estaremos sempre juntas, amiga!—A mulher lançou um sorriso torto para Sidney, colocando a mão em seu ombro.

--Obrigado Charlote!—Agradeceu, com um sorrisinho falso.

Charlote era o clichê de amigo de trabalho: "tamo junto" significava que ela poderia emprestar o grampeador sem problemas, mas não poderiam sair pra tomar um café pois não teriam profundida suficiente para dissertar um assunto que não seja fofocas de pessoas de outro setor ou reclamações do chefe. Mas ela aceitou a gentiliza da colega.

Então, se levantou da cadeira, numa súbita injeção de coragem. Eram quatro e vinte, o exato horário da meeting, que seria completamente em inglês. Sidney estava concorrendo a uma vaga interna na área de vendas, não era o que queria para o resto de sua vida, mas seria a oportunidade perfeita de escapar do caos dos escritórios e substitui-lo por uma mesa de verdade, onde poderia trabalhar sem tantos loucos à sua volta, e até mesmo, escutar um pouco de música no fone de ouvido.

Ela foi com passos largos em direção a porta de vidro fumê, e pela primeira vez, se sentia confiante. Seria aquele o momento que tomaria coragem de ousar em sua vida, pra quem sabe, acabar com o ciclo vicioso de desastres que lhe aconteciam dia após dia.

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