Prólogo

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Era verão. As árvores estavam verdes e resplandecentes: os pássaros agitados em seus voos matinais, e as crianças animadas enquanto recebiam um abraço caloroso do sol.
Foi nesse dia, nesse exato dia, que Lis o conheceu. Na verdade ela não o conheceu realmente, só o viu pela primeira vez. Ela sabia que isso poderia parecer estranho, ou muito, contudo eles tinham uma ligação, era perceptível. Era como um ímã, que fazia com que os seus olhares se cruzassem e ficassem mais tempo juntos do que o necessário, mas nunca passava disso, palavras, contato, Lis acreditava que isso poderia estragar tudo, talvez seja pelo fato da sua timidez, ou só a sua falta de jeito para conversar as pessoas, principalmente do sexo oposto, e bom, ela não queria arriscar.

Observá-lo tornara-se o hobby favorito dela. Parecia que ela já o conhecia há muito tempo, contudo, ela só o via fazia muito tempo. Os encontros acidentais deles sempre aconteciam na faculdade, e na sua maioria no refeitório ou na parte externa da universidade. Só olhares. Nenhuma palavra.

Até que passou-se alguns meses e esses encontros acidentais mudaram para um lugar totalmente diferente: um parque. Lis adorava fugir um pouco de casa e se isolar no jardim botânico, — até porque ficava perto da sua casa — com algum livro que ela estava viciada no momento, seja romance ou alguma distopia cyberpunk.

Ela se sentou em um dos últimos bancos do parque, com o objetivo de ficar na sua familiar solidão e também por conta do agradável silêncio — exceto pelo som dos pássaros e da natureza. O banco de pedra estava gelado, devido ao clima mais frio exercido pela vastidão de árvores naquele lugar, e um calafrio subiu pela espinha de Lis, que sentiu todos os pelos do seu corpo se arrepiarem, porém, nem se comparava com o tremor que a mesma sentiu ao vê-lo sentado em frente ao banco onde ela estava. Era um banco de pedra como o seu, só que ele não reparou o olhar da jovem, e nem quando a mesma olhou para a capa do seu livro que ele lia com muita concentração.

O universo realmente deve me odiar.

Olhou mais uma vez e reparou como ele estava magnifico, como sempre. Seu cabelo moreno dançava com o vento, seus olhos pretos concentrados na leitura, sua pele parda também um pouco arrepiada com a brisa fria que passava por ali, e seu rosto, com alguns fios de barba que com certeza ele não conseguiu tirar.

Lis levantou cautelosamente enquanto pegava a sua bolsa, a presença dos dois ali era muito perigosa, principalmente para o seu plano de manter as coisas como estavam, estáticas. Parece que tudo aconteceu bem devagar na visão da Lis, mas para qualquer pássaro ou animal que estava passando no momento, foi um grande e rápido caos acontecendo. A bolsa de Lis que estava aberta, caiu no chão com tudo, fazendo um incrível e alto som metálico, já que seu celular e outros pertences estavam dentro dela.

Rapidamente o olhar do jovem caiu sobre ela, e o coração de Lis resolveu parar de funcionar, fazendo com que seu corpo paralisasse do mesmo jeito que estava. O rapaz se levantou rapidamente, largando o livro que dizia "O general em seu labirinto" e prontamente se agachou no chão, ajudando uma jovem perplexa a guardar as suas coisas, e quando Lis finalmente voltou a si, ou quando sua alma resolveu terminar a viagem astral e finalmente voltar a casca vazia que era o seu corpo vazio, ela percebeu que seu celular estava vibrando e brilhando no chão arenoso. Os dois olharam ao mesmo tempo para a tela do aparelho e logo leram a mensagem que brilhava na tela, vinda da melhor amiga da Lis:

"Quando você finalmente conseguir falar com aquele príncipe moreno, me avise."

E foi nessa hora que pela primeira vez, Lis, que sempre apoiava a paz, teve vontade de matar alguém. Ela pegou rapidamente o celular e o jogou dentro da bolsa amarela, que fez um barulho metálico devido aos chaveiros de patos e gatinhos presos nela.

Esse dia não pode piorar mais ainda, é humanamente impossível.

Lis estava disposta a fingir que nada daquilo havia acontecido, como um erro no código do programa do mundo, ou talvez a famosa falha na matrix, algo que justificasse a ocorrência de tudo que se passou em apenas alguns segundos. Preciosos segundos.

Hm...obrigada. — Ela agradece cordialmente, sentindo suas bochechas queimando e sua voz falhando, enquanto segue rapidamente para a saída do parque abraçando seu livro velho e surrado, deixando o título a mostra para o rapaz "A noiva da torre".

Ele arqueia a sobrancelha e abre um sorriso maroto.

— Não vai nem me dizer o seu nome? — indaga ainda com o mesmo sorriso idiota no rosto, com os braços cruzados rente ao peito.

O sorriso que fazia com que o estômago da Lis se revirasse, que arrepiava os cabelos da sua nuca, e que fazia suas mãos suarem. Ela observou o peito dele subir e descer junto com os braços, e os pingos de suor em seu rosto, talvez por conta da rapidez dele para ajudá-la. Ela volta a realidade e respira fundo, precisava se recompor.

— Não, isso estragaria tudo. Agora tenho que ir. — Responde por fim, simplesmente virando as costas e andando rapidamente.

Covarde. Covarde. Covarde.

Quando ela finalmente teve a oportunidade de falar com ele, de forma natural e casual, ela desperdiçou tudo sendo grosseira, mas ela não conseguia explicar, parece que as palavras simplesmente ficaram presas na sua garganta, e que nem cortando elas conseguiriam sair.

Espera! — Ele grita, porém Lis já está distante, e quando ela avista o ponto de ônibus, ela agradece aos céus enquanto entra no ônibus parado no ponto.

Assim que entra a porta se fecha, o rapaz encosta na porta, mas já era tarde. Lis vê o seu corpo ficando distante, até ela não conseguir ver mais nada, por culpa das lojas e comércios.

Percebendo que já estava segura e longe daquela confusão de sentimentos, Lis desce do ônibus no ponto seguinte que ficava bem distante da sua casa.

Depois da Meia-NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora