Estrelas perdidas

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Camila:

Foi num final de Fevereiro que Sofia ganhou o diagnóstico de sua doença. Há três anos atrás, num dia parecido com este. Eu me lembro bem. Fazia frio e o céu estava tão cinza quanto a minha vida pareceu ficar. A partir daquele dia, todas as pessoas ao meu redor e eu, sabíamos que nossas rotinas mudariam essencialmente. Eu gostava de mudanças... ainda gosto, mas naquele momento eu descobri o pior lado da palavra "mudança".

A minha rotina era sempre a mesma: acordar cedo e ir trabalhar da Design FLO, após isso eu ia para o hospital passar a tarde com a minha irmã. Tinha dia que, invés de voltar para casa no finzinho da tarde, eu passava na lanchonete onde a Dinah trabalha ou ia com Lauren para o apartamento dela. Vou ver se faço algo hoje. Quero me distrair um pouquinho... acho que mereço.

Essa manhã, antes de sair, tomei café com a minha mãe. Isso não é comum de se acontecer. Soube que mamãe acordou antes do horário normal porque estava indo mais cedo para o hospital ficar com a Sofia. Outra coisa incomum. Na mesa, enquanto ela colocava ovos fritos no meu prato, eu perguntei se estava tudo bem. Sua resposta não poderia ter sido mais desconfiável:

- Por que não estaria?

- Por causa do óbvio, talvez.

- Tem um bom tempo que nada está bem, Karla.

Estou tão distante dos meus pais (ou eles distantes de mim) que até estranhei quando ela me chamou pelo meu primeiro nome.

Nessa família só nasce mulher forte. Para começar, sem sombra de dúvidas, a Sofia. Logo após vem Sinu, que, por anos, precisou aprender a lidar com a depressão e, como e isso não fosse o bastante, é mãe de uma criança condenada pelo destino. Pode ser que eu seja uma exceção nessa linhagem de mulheres de sangue amargo. Nunca pensei de forma tão negativa na situação da minha irmãzinha. Enquanto umas estão lutando contra doenças tanto físicas quanto psicológicas, sequer eu consigo manter-me esperançosa. Se eu fosse Sofia e soubesse que a minha irmã é uma fraca, provavelmente me envergonharia.

- Mãe?

- Sim. – Aquela voz baixa e pesada harmonizava com suas olheiras escuras e fundas. Semblante cansado, acrescentando anos a mais na sua idade real.

- Aí dentro de você, mesmo que escondido, tem alguma fé? – Perguntei. Ela suspirou e deixou fixo os olhos em qualquer canto do chão. Como sua resposta demorou, eu falei mais: – Pelo menos uma perspectiva... qualquer coisinha, mesmo que...

- Eu tenho fé sim. Se eu não tiver, quem vai ter por mim?

Cheguei a abrir a boca para dizer alguma coisa, só que o telefone de casa tocou e ela saiu para atendê-lo. Aproveitei o tempo que fiquei sozinha na mesa para refletir do que acabara de ouvir da minha mãe. Se eu não tiver fé, quem vai ter por mim? Ouvi o som de notificação do meu celular tocar ao longe, só que ignorei imersa naquela frase. Brinquei com a comida do meu prato e não demorou até eu sentir falta da minha mãe. Ela estava demorando. Mais uma vez o som saiu do celular e mais uma vez eu ignorei. No terceiro toque, me dei por vencida e fui ver quem é que me mandava tantas mensagens.

Estava atravessando o corredor quando, muito apressada e quase alucinada, mamãe esbarrou em mim ao passar. Perguntei o que estava acontecendo, foi em vão, ela já havia sumido mais adentro de casa. Eu já sabia o que era. As mensagens no meu celular eram de Lauren. Eu sabia...

- Camila! Camila, vamos logo! – A ouvi gritar. – Era do hospital, a Sofia não está bem.

Eu corri para pegar as chaves do carro. Depois mando uma mensagem aos meus tios e digo que não poderia ter ido trabalhar hoje.

Live And Let DieOnde as histórias ganham vida. Descobre agora