Capítulo 15 - O Dia da Revolução

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– É, pois então... Sendo ele um bom líder ou um turrão mesquinho, como também já ouvi qualificarem o homem – José Maria retrucou, falando assim livremente seguro no fato de estarmos cochichando em português – bem, é famoso né? O presidente da União Soviética... dá curiosidade de ver – concluiu, encolhendo os ombros. – Certamente é uma oportunidade histórica.

– Ah, isso sim.

Nossa conversa foi interrompida por um som agudo de microfone, vindo do palanque. Um organizador testava o utensílio, e deu sinal para alguém que estava embaixo, perto da entrada do Kremlin. Devia ser umas dez horas. Logo, todos os rostos se voltaram para lá, e um pequeno grupinho de homens saiu por ali, todos velhos ou de meia-idade, de boinas, chapéus ou quepes, e sobretudos abotoados do pescoço aos pés. Foram cercados por um punhado de oficiais de elite do Exército Vermelho, enquanto singravam a praça em direção ao estrado com passos firmes, as botas guinchando ao dar com o solo molhado pelo derretimento das primeiras neves.

Meus olhos se fixaram no único rosto conhecido, a face bigoduda do Camarada Stalin. Eu estava a uma distância muito grande para ver em detalhes, mesmo me colocando na ponta dos pés – sem grande ganho de visão, considerando a altura média dos russos – mas podia dizer que os retratistas tinham sido generosos com ele. Se alguém visse apenas os bustos pintados ou esculpidos, imaginaria tratar-se de um homenzarrão – como eu imaginava – quando na verdade, ele era um tampinha. Uns dez centímetros maior que eu, se tanto. Havia alguma coisa estranha com os braços também, não pareciam ser do mesmo tamanho.

Não, não eram. O braço esquerdo era ligeiramente menor que o outro, deu para ver quando o grupinho subiu no palanque e ficou em posição de sentido para ouvir o hino da União Soviética. Os traços do rosto não variavam muito, mas parecia haver algumas manchas que não se encontravam nos retratos. Bem, podia ser sinal da idade, ele tinha o quê, cinquenta anos, talvez mais? Ninguém chega ao jubileu inteiro.

Minha expectativa de vê-lo discursar foi frustrada. Ele dirigiu apenas algumas palavras ao povo soviético, parabenizando pelo feriado, acenou, e cedeu lugar ao escolhido do Partido para o discurso principal daquele ano, o Camarada Kalinin, representante do Comitê Executivo Central da União Soviética, conforme anunciaram.

O microfone foi ocupado por um velhote também entre cinquenta e sessenta anos, igualmente baixinho e bigodudo, porém com cavanhaque e de óculos. Ele limpou a garganta, tirou uma folhinha do bolso, que olhou brevemente, antes de alçar a voz.

– Camaradas trabalhadores, camponeses, Exército Vermelho e todos os cidadãos da União Soviética! – ele cumprimentou, com o eco do microfone atrapalhando a compreensão das primeiras palavras. – Por incumbência do Partido e do Governo, saúdo-vos pelo feriado da Revolução de Outubro, o décimo-sexto aniversário da existência da União Soviética! O feriado do Outubro Grandioso, a revolução proletária, é um feriado de todos os oprimidos. Cada sucesso nosso os anima, inspira na luta pelo interesse do trabalhador. Com um sentimento de satisfação, nós podemos dizer que no décimo-sexto ano nós avançamos significativamente. Nossa industrialização cresce, você não conseguiria contar a quantidade de novas fábricas e construções colossais.

– Isso é verdade, nunca vi tanta construção junta na vida – José Maria sussurrou de novo, atrás de mim.

– Nossa estrutura de kolkhozes deu uma guinada para a esquerda – Kalinin continuou, – uma guinada para a esquerda com força total. Neste ano, com a colaboração do Partido e dos Departamentos Políticos, as massas camponesas, organizadas nos coletivos, se lançaram com ímpeto ao trabalho em favor da economia de kolkhoz, e os resultados desses esforços são enormes. Eles, esses resultados, são grandiosos não só porque recebemos muitas sementes e outros produtos rurais, mas porque os camponeses, os kolkhosianos viram, na prática, nos seus campos, pomares, nos currais e quintais, todas as vantagens, todos os lucros do trabalho em kolkhoz. O kolkhosiano viu que o caminho de Lenin o conduzirá à sobrevivência por um modo verdadeiramente socialista, verdadeiramente aculturado de vida. Isso é uma enorme vitória. É difícil avaliá-la agora, mas eu não duvido que os seus resultados serão assombrosos. Pensem só! Dezenas de milhões de pessoas constataram na prática que estão indo pelo caminho certo em direção à sua própria felicidade. Digam-me, que força no mundo poderia revelar-lhes isso? E, camaradas, no dia da vitória do proletariado da Rússia sobre os capitalistas, com o peito cheio, forte e alto, para o mundo inteiro ouvir, ao Partido Comunista Leninista entoemos um HURRA!

Dias VermelhosWhere stories live. Discover now