Capítulo 14 - Siglas Soviéticas

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GUM era abreviatura de Gossudarstvenyi Universalnyi Magazin, isto é, Loja Estatal Universal. Falar russo era difícil não só por causa da própria língua, mas também graças às centenas de abreviaturas correspondentes aos montes de órgãos e cargos que tinham nomes enormes, e os russos preferiam abreviar. Porque "Vamos ao GUM" era muito mais fácil de falar que "Vamos ao Gossudarstvenyi Universalnyi Magazin", por exemplo. Se você conhecia ou conseguia adivinhar os significados, tudo bem, mas uma conversa podia ser indecifrável até para um nativo, dependendo do número e da especificidade das siglas mencionadas.

Nós fomos em direção ao prédio cor de creme que tomava todo o lado oposto da Praça Vermelha, mas conforme nos aproximávamos, Lucia deu uma desacelerada no passo, me forçando a desacelerar também. Sveta e Ivan logo nos alcançaram.

– Na verdade ele está quase todo fechado, reservaram uma parte para uso do governo uns três anos atrás, e sobraram poucas lojas. Ouvi dizer que o Camarada Stalin quer desmontá-lo por completo. É uma pena, eu vinha aqui com minha mãe quando era criança, nos tempos do Camarada Lenin, e era bem legal. Mas ainda tem umas lojas lá que... bem, talvez você se interesse por alguma coisa...

Entramos pelo arco central no lado que dava para a praça e fomos reto em frente até o centro do complexo. Lá havia uma fonte octogonal, cujas águas rebrilhavam à luz filtrada pelo teto de vidro do prédio, igual à água das poças lá fora, formadas pelo derretimento da primeira neve. O movimento era bem menor ali dentro, comparado com o movimento na praça, e no fim dos corredores dos dois lados havia guardas postados, para impedir que pessoas não requisitadas subissem para as salas ocupadas por gente importante.

No rés do chão, acessível a nós, meros mortais, havia apenas uma loja chamada "Torgsin", para a qual Lucia me arrastou, antes que eu pudesse ler o restante do nome, escrito em letras menores abaixo daquela abreviatura.

Nos vimos em uma sala mais comprida do que funda, com estantes encostadas nas janelas de vidro, e uma única estante baixa no centro separando o ambiente em dois corredores. Na parede oposta à entrada havia um balcão de madeira, e atrás dele, sim, as prateleiras iam até o teto, intercalando com umas poucas portas que davam acesso ao depósito e outras salas de serviço. Cinco pessoas entediadas estavam em seus postos além do balcão, duas conversando, um homem careca lendo jornal, uma senhora gordinha aparentemente resolvendo palavras cruzadas, e uma moça loura e também cheinha cochilando, com o queixo apoiado no punho fechado. Nenhum deles tomou conhecimento da nossa entrada, o que nos deu perfeita oportunidade para explorar a loja à vontade.

Ir às compras não era meu passatempo favorito; eu achava francamente entediante ficar passeando por lojas e olhando coisas que eu nunca poderia comprar, ou mesmo procurar as coisas de que eu precisava, no melhor preço ou qualidade disponível. Todavia, era a primeira loja que eu visitava ali, e, por ser novidade, prestei atenção a todos os detalhes. Incrível a variedade do que cobria as prateleiras – havia de comida até casacos de pele, de graxa para sapato até palitos de fósforo. E isso não era a única coisa interessante: os produtos soviéticos dividiam espaço com coisas importadas, algumas verdadeiramente extravagantes. Juro que vi uma caixa de charutos cubanos, e um frasco de Chanel nº 5.

Ivan zanzava pelas prateleiras de bebidas estrangeiras – uísques e conhaques, principalmente – enquanto Svetlana e Lucia estavam entretidas em um dos cantos da loja, examinando cortes de seda e cetim com ares encantados. Aproximei-me delas e entrei na discussão sobre que estampa combinava melhor com a cor do cabelo de Sveta. Ela acabou escolhendo um cetim branco com diminutas florezinhas cor de salmão, apesar dos apelos de Lucia para que ela ousasse mais.

Depois, as russas opinaram quanto ao que eu devia levar. Apontaram-me um rolo de veludo cor de vinho, mas eu disse que não queria ficar parecida com a cortina do palanque, e que não teria tempo para costurar nada, então pretendia comprar um vestido pronto. Diante dessa declaração, elas me arrastaram com solicitude para outro pedaço da loja, onde havia uma ampla seção de vestuário. Tinha até vestidos de gala, e nos divertimos muito os pendurando na frente do corpo e fazendo poses de madames burguesas. Eu estava procurando algo mais básico, porém, adequado ao desfile, e que depois eu pudesse usar no dia a dia. Acabei escolhendo um vestido de algodão azul escuro, com saia solta e mangas curtas levemente bufantes, além de um franzido bonitinho e duas carreiras de botões na altura da cintura. No desfile ninguém veria esses detalhes, escondidos sob o casaco, mas Lucia garantiu que eles iam se destacar na festa do Komsomol, e que, a propósito, o próprio vestido me caía muito bem.

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