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1 de setembro  

            Tudo não passava agora de uma realidade distante, arrastada pelo vento e deteriorada pela chuva. Passaram meses desde o dia em que eu caminhei até Luke e lhe elogiei a camisa vermelha, ganhando assim coragem para lhe perguntar se não queria ser o meu explicador de matemática. As explicações haviam terminado há quase tanto tempo que se misturavam na enxurrada. Ainda assim, eu não me sentia arrependida de o ter querido ajudar. Sabia que uma parte de mim estava zangada por não ter cumprido a sua missão, mas outra, aquela que ainda olhava para Luke como um desafio, via nele melhorias inquestionáveis, que sem mim, nunca poderiam alguma vez resultar a longo prazo. Luke deixou de ter medo e passou a viver fora do quarto escuro, da sua bolha, para passar a ultrapassar os limites das suas metas e a alcançar tudo o que ele jamais algum dia pensara conseguir alcançar. Luke, por mais errado que soasse, conseguira transformar-se num rapaz normal.

            Mas eu não me sentia tão positiva como tudo em meu redor levava a querer que me sentisse. Havia este buraco no meu peito que deixava sair toda a esperança que eu mantive ao longo destes meses, mas que agora se começava a dissipar, e o medo, que eu sempre tentei manter afastado de mim, era agora um dos meus maiores companheiros. Vivia confusa entre mágoas e desalentos, num rumo incerto e devastada com o desgosto que eu própria causei. Ashton arranjava constantes desculpas para não me ver ou para não falar comigo, por isso raramente tinha a oportunidade de lhe dizer o que sentia, e Luke, desde a nossa conversa na segunda-feira, há dois dias, parecia fazer exatamente o mesmo que o meu namorado, passando por mim nos corredores e virando a cara como se eu fosse algum tipo de monstro.

            Eu sabia, no entanto, que algo se ocultava por detrás dos desvios que os dois rapazes faziam de mim. Ouvia-o na voz de Ashton sempre que lhe telefonava a perguntar como lhe tinha corrido o dia e se ele não queria estar comigo, e via-o nos olhos azuis de Luke, que por vezes, num descuido, se achavam presos em mim e me fitavam com pêsame. Era como se eu tivesse uma doença terminal desconhecida e os dois soubessem e não me quisessem contar. Era como se estivessem a vingar-se de mim por tudo aquilo que eu lhes fiz passar. Todavia, obrigava-me sempre a enxotar essas desconfianças para trás do meu cérebro e a pensar que era tudo um exagero, que não havia nada com que me preocupar.

            – Ei, isto está quase a acabar. Mete um sorriso nesses lábios.

            Quando levantei o rosto e encarei a rapariga sentada à minha frente, tive um vislumbre das lembranças dos tempos felizes em que ainda nada era um erro, mas porém, quando a sua mão tocou na minha, uma torrente de lágrimas alcançou os meus olhos e eu fui fraca, não conseguindo impedi-las de cair sobre o meu rosto.

            – Sophie... estás bem? – Lillian questionou, preocupada mas branda. Só consegui abanar a cabeça como se dissesse não, pois a minha voz estava débil demais para ser ouvida naquele momento. – Queres falar? – voltei a abanar a cabeça. Tudo o que eu queria era desaparecer dali.

            – Lil, eu acho que... Sophie? – Michael sentou-se ao lado da namorada, esticando logo os braços na minha direção. – O que é que aconteceu? Porque é que ela está a chorar? Lillian?

            – Eu não sei... ela começou de repente.

            – Sophie, olha para mim. – Michael pediu. – Isto tem a ver com aquilo que eu penso que tem a ver? Estás assim por causa deles?

            Só consegui balançar a cabeça, anuindo à sua pergunta.

            – Chega. Isto tem de acabar. – declarou o rapaz, impondo-se como se de uma revolução se tratasse. – Vocês os três têm de ter uma conversa e resolver isto de uma vez por todas porque eu já não sei mais o que fazer. Mas é uma conversa a sério, não é uma cena de pancadaria nem um acidente de viação como da outra vez. Isto tem de ficar resolvido!

Naive ಌ l.hOnde as histórias ganham vida. Descobre agora