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16 de fevereiro

               Naquela segunda-feira de manhã eu ainda não tinha conseguido tirar da cabeça a pequena conversa telefónica que havia tido com Luke, dois dias antes. Sentia que estava a fazer progressos. Ele já não se recusava a falar comigo e até já tinha combinado dar-me as explicações. Por um pequeno instante, senti que podia fazer a diferença na vida dele.

               Quando cheguei até ao meu cacifo e o destranquei, retirei os livros da minha mochila e enfiei-os nas prateleiras, arrumando-os de forma organizada no meu armário de escassas dimesões. Contudo, mesmo antes de fechar a porta de metal, os meus olhos repararam num pequeno pedaço de papel, caído junto dos meus cadernos.

               Olhei à minha volta na vã tentativa de encontrar a pessoa que deixara aquele bilhete ali, no entanto, todos pareciam demasiado alheios ao que se passava para sequer repararem nos meus olhares desconfiados. Por isso, sem outra opção, peguei no pedaço de papel rasgado e enfiei-o no bolso do meu casaco, trancando por fim o cacifo. Antes de virar costas e abandonar aquele lugar, semicerrei os olhos na direção da porta de metal, examinando as pequenas ranhuras que esta continha. Não era nada complicado enfiar um papel naquele entalhe, daí não haver qualquer marca de arrombamento.

               Soltei um suspiro e saí finalmente daquele sítio, apertando-me entre os jovens que enchiam aquele corredor. Ainda era cedo e, quando olhei para o visor do meu telemóvel, vi que faltavam mais de vinte minutos para a primeira aula começar, no entanto, eu preferia que faltasse menos. Quando entrei no bar reconheci imediatamente o cabelo negro de Michael. Caminhei até ele.

               – Bom dia. – cumprimentei. Michael bocejou, sacudindo a mão na minha direção. – Vejo que a alegria matinal é reciproca. – ironizei.

               – Tu não viste a Lillian, por acaso? – ele interrogou, ignorando completamente o meu último comentário. – Ela disse que ia à casa de banho mas nunca mais voltou. Começo a ficar preocupado.

               – Não. Não a vi. – respondi ao meu melhor amigo, que trazia no rosto um semblante tenso e preocupado. Sentei-me na cadeira azul que permanecia a seu lado e pousei a minha mochila de cabedal preto no chão, debruçando-me depois para pousar delicadamente os meus livros sobre esta, construindo uma pequena torre inclinada. – Mas aconteceu alguma coisa entre vocês?

               Michael pressionou os dedos nas têmporas, fechando subitamente os olhos. Os seus cotovelos apoiavam os seus braços pálidos e, sem respostas, continuei a observar as tatuagens presentes no seu braço esquerdo. Ele respirou fundo, revelando-me as suas íris esverdeadas ao fim de algum tempo.

               – Eu sei lá. Eu não entendo as raparigas, isso é certo. – ele afirmou, deixando a sua cabeça cair sobre a mesa de tampo cinzento. Não consegui evitar afagar-lhe o cabelo, de certa forma na tentativa de o reconfortar. – Porque é que vocês são tão complicadas?

               – Bem – um sorriso apareceu nos meus lábios e, depois de uma pequena pausa, Michael ergueu o rosto para me observar. –, é isso que nos torna especiais. – concluí, esboçando um pequeno beicinho. Michael apenas abanou a cabeça, deixando-se permanecer em silêncio.

               Contudo, quando enfiei as mãos nos bolsos do casaco de modo a aquecê-las, a minha atenção focou-se noutro assunto e, desatenta a tudo aquilo que me rodeava, apalpei o bilhete que havia encontrado no meu cacifo e mordi com força o lábio. Estava cheia de curiosidade para ler o que dizia e, sobretudo, descobrir quem tinha sido a pessoa que o deixara lá, todavia, não me sentia muito confortável em fazer isso à frente de Michael. Ele com certeza iria bombardear-me com perguntas às quais eu não saberia responder. Porém, quando olhei para o seu rosto cabisbaixo, tossi, captando a sua atenção.

Naive ಌ l.hOnde as histórias ganham vida. Descobre agora