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         26 de março

            Tomei uma lufada de ar e atirei o meu extenso cabelo loiro para trás das costas quando abandonei o espaço do bar, dirigindo-me agora na direção do corredor que me levaria até à saída. Como sempre, os corredores estavam repletos de jovens conversadores e barulhentos, que tornavam aquele edifício velho num local cheio de vida. Ouviam-se os risos animados dos rapazes que conversavam sobre as suas atividades desportivas, viam-se os olhares tímidos que algumas raparigas lançavam àquele por quem nutriam sentimentos escondidos, escutavam-se os murmúrios de quem não se encontrava no seu melhor dia, e percebia-se o silêncio daqueles que permaneciam solitários, recostados no seu canto a ler um livro ou a observar quem os rodeava. Aquilo fazia lembrar-me de Luke, que passara parte do intervalo comigo. As suas palavras contidas levaram-me a crer que ele não ficara muito convencido com a chamada que eu recebera no dia anterior, enquanto me preparava para passar um serão em sua casa. Na verdade, nem eu ficara. Só conhecia Ashton de vista e sabia somente aquilo que a sua meia-irmã e Michael me contavam acerca dele, de resto, não tinha qualquer confiança com o rapaz de cabelo ondulado. Luke parecia perceber essa insegurança da minha parte, e, apesar do seu silêncio quanto ao assunto permanecer, eu quase podia ler-lhe os pensamentos.

            Embora já fosse oficialmente outono, o dia de hoje encontrava-se húmido e abafado, e portanto, podia envergar roupas mais leves e frescas, que me deixavam confortável. A passada lenta com que fazia o meu caminho até às portas do exterior causava um friozinho na minha barriga, e não era por causa da confusão existente à minha volta, mas sim porque sabia que, assim que pusesse os pés na rua, Ashton estaria lá para me receber. Era estranho, mas surpreendentemente agradável. Teria a oportunidade de o conhecer, ou talvez até de me tornar amiga dele. Não que isso fosse algum desejo que eu secretamente possuísse, mas seria bom, sobretudo sendo ele o meio-irmão de uma amiga tão próxima. No entanto, não podia ignorar os sinais de alerta que a minha consciência me lançava; avisos do perigo eminente de Ashton ser um delinquente, alguém mais velho, um rapaz com certeza mais experiente e possivelmente um quebra-corações.

            Foi com um suspiro que eu empurrei a porta de vidro. Os raios de sol tocaram-me delicadamente na face, como uma caricia, e eu semicerrei os olhos enquanto tentava desembaraçar os fios de cabelo que se prenderam nos meus brincos devido ao vento que se fazia sentir. Percorri alguns metros em busca de um rosto conhecido e acabei por me encostar às grades do liceu, que me acolheram com um rangido. Abracei os meus livros e tentei ignorar as dores que tinha nas costas, devido ao peso que carregava. Por instantes passou-me pela cabeça a possibilidade de Ashton não aparecer, de se ter esquecido de mim, ou mesmo até de ter querido gozar comigo. Era algo com que eu não ficaria admirada, sobretudo sendo ele o rapaz tão atrevido que mostrou ser. Todavia, se tal acontecesse, eu não me deixaria afetar; ignoraria a humilhação e seguiria em frente, com a certeza de nunca confiar num estranho.

            Porém, quando o tão familiar carro vermelho parou à frente do passeio, as minhas inseguranças desvaneceram e eu sorri, inconsciente e totalmente absorta da realidade. Endireitei-me e respirei fundo, observando a rapidez com que Ashton abandonara o interior do veículo para avisar a sua chegada. É claro que tudo aquilo chamou a atenção das raparigas, que o observavam com malicia e luxuria, derretidas com a beleza tão pura e dura do rapaz musculado. Ele envergava umas calças pretas apertadas, que faziam sobressair as suas coxas largas, e uma t-shirt azul escura. Quando ele me sorriu, vi duas covas aparecerem nas suas bochechas, e rugas de expressão em volta dos seus olhos verdes, que me levaram a sorrir também.

            – Pronta, mademoiselle? – ele riu-se, seguindo os meus movimentos com um olhar divertido. Ele esperou que eu entrasse no carro e fez o mesmo, fechando a porta com brusquidão. – Não sabia que usavas óculos. – comentou, ligando o motor.

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